Creta, a maior ilha grega, foi sempre um lugar muito cobiçado por diferentes povos. Lá desenvolveu-se a Civilização Minoica, a mais antiga da Europa. Ao que indicam os estudos arqueológicos, sociedade de grande sofisticação quanto aos costumes, estrutura social e ao domínio de tecnologias de engenharia. Foram comerciantes que se aventuraram corajosamente pelo Mediterrâneo e influenciaram diversos povos do continente. Emblemáticos desse período, o palácio de Cnossos e o mito do Minotauro ainda estão vivos na imaginação do Ocidente. Após o declínio dos minoicos muitos outros dominaram a ilha, como romanos, árabes, venezianos e mais recentemente turcos otomanos. Entre os séculos VXII e início do XX Creta pertenceu à Turquia. Todavia, grande parte da população era formada por gregos cristãos ortodoxos que desejavam se reincorporar à Grécia. A ilha foi palco de dramáticos conflitos entre as duas culturas/nacionalidades, com tentativas periódicas por parte dos gregos de expulsarem os turcos, empregando táticas de guerrilha. Neste cenário, no fim do século XIX, Nikos Kazantzákis (1883-1957), também nascido na ilha, ambientou seu romance épico “O Capitão Mihális”, talvez sua maior obra, embora não a mais conhecida. O personagem que dá título ao romance foi inspirado pai do autor e também no protótipo social de homem cretense desse período. Mihális é fascinante por combinar bravura e certa rudeza com sensibilidade e refinamento moral. Algo que parece ter sido marca do caráter dos ilhéus neste momento histórico em que lutavam pela libertação. O protagonista e outros personagens são tão vivos que arrastam o leitor para seu mundo. Quem lê o livro é tocado pelo espírito de aventura, que se dá também no âmbito da complexidade de estruturas psicológicas e sociais que condicionam os relacionamentos interpessoais. O ódio mútuo é “oficial” entre os representantes das duas culturas, cristã e islâmica. O amor é oficioso, mas pungente. Os indivíduos convivem sob a tensão das forças da inimizade, ao que a honra obriga, mas estão sempre à beira de sucumbir aos laços fraternos e amorosos que o convívio prolongado estabelece. Neste bojo brotam a solidariedade e até paixões sensuais de quem vê no oponente o mesmo elemento trágico ao qual está condenado e identifica-se com ele. O compromisso com a segregação e a oposta tentação pela aproximação, com possibilidade de fusões temerárias, geram a turbulência do enredo. É um texto forte sobre gente forte. Aqui, o Minotauro parece não ter sido realmente morto por Teseu. Vive. Fascina e devora.
Título da Obra: O CAPITÃO MIHÁLIS (LIBERDADE OU MORTE)
Autor: NIKOS KAZANTZÁKIS
Tradutora: SÍLVIA RICARDINO
Editora: GRUA