VERDE LAGARTO AMARELO

O bem-querer entre as pessoas não tem a simplicidade e estabilidade que se costuma supor.  Nem é tão comum como seria desejável. Dentro das famílias a coisa pode ser ainda mais complicada. A generosidade encolhe com facilidade e a fraternidade não é encontrada em terrenos que não sejam os das aparências. Claro que há exceções.  

“Verde Lagarto Amarelo” é um conto de Lygia Fagundes Telles (São Paulo, 1918 – 2022) que faz parte do livro “Antes do Baile Verde”. Nesta estória a autora fala da relação entre dois irmãos e deixa entrever agruras da trama familiar. Desde a infância eles são marcados por diferenças que modularam seus destinos. Na idade adulta parecem cristalizadas as maneiras deles verem a si mesmos e um ao outro. Algo permanece como lei pétrea na determinação de seus lugares no mundo. O mais velho, escritor, obeso e vítima de suores profusos e incontroláveis que o torturam vida afora é o personagem mais visível. Mostra-se ressequido e defensivamente fóbico aos contatos com outras pessoas, especialmente seu irmão. Detectou um dia a repulsa da mãe por ele que, assim como o pai, não enxergava as fragilidades do primogênito (ou não as tolerava). O mais novo, agraciado com beleza e outros dons, teve a preferência parental. Exibiu sempre a capacidade de viver com alguma leveza. Casou-se e está prestes a ser pai. Na atualidade do conto ele faz uma visita ao irmão (que deseja manter-se distante dele), convida-o para padrinho do filho em gestação e anuncia que vai mostrar algo, uma surpresa.

O olhar de Lygia Fagundes Telles para o universo dos sentimentos nada tem de sentimentalista. Com a elegância da concisão ela diz muito sobre misérias e tormentos que se criam na construção das identidades e nos relacionamentos entre familiares. Redes que servem como como grades de prisão ou grilhões. A liberdade de escolha é limitada, restringida por forças imperativas e cruéis. O passado está sempre presente. Insistente. Pegajoso. Os ressentimentos e ódios parecem assentar-se com mais firmeza do que gratidão e amor e enrijecem os vínculos afetivos. A premência de eleger culpados é soberana e míope. Nesta cena os objetos da culpa não são sujeitos encontráveis com precisão na realidade do que são ou foram os indivíduos. Tornam-se em grande parte ficções encarnadas em gente próxima. Sobra pouco espaço para reflexões que considerem a complexidade dos seres humanos. Raramente há transformações que desfaçam antigos nós e ampliem os habitats.

Na ilustração: foto de obra de Giovanna Garzoni (Itália, 1600-1670)   

Título da Obra: VERDE LAGARTO AMARELO (componente de O BAILE VERDE)

Autora: LYGIA FAGUNDES TELLES

Editora: COMPANHIA DAS LETRAS

6 comentários

  1. Para que serve uma resenha/crônica sobre um livro? Faço essa reflexão após ler o texto de Luis Justo sobre o conto de Lygia Fagundes Telles “Verde Lagarto Amarelo”. Para nós (des)estimular a ler o conto, para tecer considerações sobre o mesmo, para contar uma história sobre uma outra história, entre outras funções. Luis Justo nos conduz com maestria e delicadeza a acompanhá-lo como numa caminhada a desvelar diversos aspectos do conto em questão. E o faz como alguns dos grandes críticos literários. Os textos de Luis Justo já estão a merecer, e não é de agora, um livro que os reúna para deleite de seus leitores.

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