Um grande desafio para os humanos de todos os tempos é levar em conta a vastidão do que ignoram. Nisto há um infinito. É condição universal, embora possa ter roupagens diferentes. Os indivíduos sabem pouco sobre a suas vidas e nada sobre o após suas mortes. Sempre houve muita especulação, construção de hipóteses e múltiplas conjecturas afirmadas, não raro, como externas ao campo da refutabilidade. É comum a disposição (geralmente marcada por temor e premência) para aderir a crenças e para ter fé, pois de outro modo o desconhecido pode ser insuportável. Não raro há renúncia na tentativa de diferenciar o verdadeiro do falso.
“ESTRELA DA MANHÔ é um romance do norueguês KARL OVE KNAUSGÅRD (Oslo, 1968) que trata da relação do homem com os limites e limitações da razão e do conhecimento. Isto se dá no âmbito da vida cotidiana, cuja transparência pode ser ilusória, e mais evidentemente naquilo que a transcende. A natureza do bem e do mal, sua contextualização e instabilidade no tempo são importantes aqui. Ideias sobre o que é morrer e as suposições sobre um depois ganham volume quando o livro vai chegando ao final.
O livro é composto por narrativas de vários personagens sobre o momento que vivem e lembranças que compõem seu patrimônio memorialístico. O presente é mais ou menos sincrônico e todos residem em Bergen, na Noruega. São raros os entrelaçamentos entre eles. Ao contarem o que lhes está ocorrendo eles revelam aspectos de suas identidades e modos de funcionamento. Todos estão diante de um fato inusitado que é o aparecimento de um corpo celeste, o que desperta diferentes reações. Para alguns é uma nova estrela, mas ninguém sabe ao certo do que se trata. Um dos personagens, Egil, denomina o corpo celeste de “estrela da manhã”, que nos textos bíblicos representa tanto Jesus Cristo como o diabo, dependendo da passagem considerada. Egil é o principal articulador de questões que bordejam as fronteiras da racionalidade no entendimento do mundo. Os outros personagens constatam a presença da possível estrela e outros eventos que não conseguem interpretar. Os relatos sobre o que estão experimentando em suas vidas, com foco nas relações familiares, são o corpo do romance. Veiculam inquietude diante do que os atropela no dia a dia, de sua sujeição involuntária ao que não podem explicar suficientemente e da incerteza no agir. O único componente certo do futuro é a morte. Eles não descansam em paz. As narrativas são bastante envolventes, testemunhando o grande talento do autor para bem contar estórias.
É interessante observar o modo de KNAUSGÅRD abordar aquilo que é tomado como bem e seu aparente oposto, o mal. Fica a sugestão de comunicabilidade entre eles, talvez um certo amalgamento. Também é notável a maneira de apontar para a importância da morte na criação de sentidos para a vida, inclusive para que haja consciência de se estar vivo.
Título da Obra: ESTRELA DA MANHÃ
Autor: KARL OVE KNAUSGÅRD
Tradução: GUILHERME DA SILVA BRAGA
Editora: COMPANHIA DAS LETRAS

Querido Luís, nunca li o autor do livro, mas li uma amostra no site da Companhia das Letras e fiquei arrebatada. Eu só conhecia o Karl Ove pelos comentários da Natalia Timerman, autora de As pequenas chances, que o adora. Ultimamente, tenho lido só no kindle, mas estou muito tentada a comprar o livro físico. Muito obrigada pela resenha, como sempre, pertinente e muito boa.
Beijos.
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Olá querida Anaelena
É uma leitura muito envolvente. Ele é um autor de talento.
Obrigado pelo comentário
Bjos
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