A LENTIDÃO

A velocidade que se imprime à vida ou com que ela afeta os indivíduos implica muito na percepção do vivido e no modo de agir. Celeridade ou lentidão certamente são sempre relativas. Todavia, importa aqui considerar a captura do que acontece tanto como imposição do mundo externo como do que se faz acontecer voluntariamente. Captura que se dá através de interpretações e espelha-se em comportamentos. Há grande diferença entre o que é feito e registrado com vagar, reflexão e fruição e aquilo que é realizado açodadamente para ganhar mais ou ganhar facilmente e de pronto ou mesmo para melhor fugir do que desconforta, dando pouco peso a consequências.

“A Lentidão” de Milan Kundera (Checoslováquia, 1929 – França, 2023) é um livro que combina ensaio e ficção. Fala da velocidade como intenção e experiência. Kundera trata disto sem ser abertamente teórico, evita o filosofar formal. Ele, narrador, está presente como agente estimulador do processo reflexivo. Os personagens são carreadores das ideias, que funcionam como peças de um jogo. Transitam pelo texto franqueza e dissimulação, coragem e covardia, verdadeiro e falso, boa-fé e má-fé, entre vários opostos elencáveis. Sem maniqueísmos. Algumas metáforas são quase personagens, como a do “dançarino”, relacionada com os artifícios usados por alguns para ocupar a cena e mesmerizar os que se oferecem como plateia.

O hedonismo epicurista, desde o fundador desta escola de pensamento, Epicuro (Samos, 341 a. C. – Atenas, 271 a.C.), é uma referência de vulto. Sem detalhamento explícito, há comparação entre os ensinamentos de Epicuro e outras concepções de hedonismo com respeito à ideia de prazer. A dor, a consistência/inconsistência daquilo que se anseia e o imediatismo são relevantes. Tudo isto enlaça moral e ética. “As Ligações Perigosas” de Chordelos de Laclos (França, 1741- Itália, 1803) e um conto de Vivant Denon (França, 1747-1825) também auxiliam nas formulações sutis do autor.

O livro cruza histórias na construção de um enredo que não se destina a produzir prazeres instantâneos e nunca parece pronto ao longo da leitura. Todavia, Kundera envolve pelas ideias que articula. Oferece ao leitor a oportunidade para que reflita sobre valores e a necessária apropriação das determinantes de seu agir. Lembra o quanto é feito para seduzir, enganar e privar o indivíduo da liberdade de pensar com largueza. Um tipo de embriaguez ofertada por uns e buscada por outros, que ganha mais espaço nas experiências velozes, que pouco se detêm em entendimentos e deliberações.

Título da Obra: A LENTIDÃO

Autor: MILAN KUNDERA

Tradutoras: MARIA LUIZA NEWLANDS DA SILVEIRA E TERESA BULHÕES CARVALHO DA FONSECA

Editora: COMPANHIA DAS LETRAS   

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