AS PRIMAS

Aurora Venturini (Argentina, 1921-2015) viveu grande parte da vida na França. Escreveu muitos livros. Num momento mais tardio lançou o premiado “As Primas”, seu primeiro romance traduzido no Brasil.

Em “As Primas” percorremos um período da vida da narradora, Yuna, e de sua família. Talvez todas as famílias tenham problemas próprios e sejam estranhas para os que não fazem parte delas. Nesta estória há um modo de contar que dá cores intensas às peculiaridades dos membros da família, tornando superlativas, para além do esquisito. A crueza é pouco habitual para os que falam de seus próximos. Além de descrições eventualmente chocantes sobre como são as pessoas (servidas com alguma comicidade ao leitor), os vínculos afetivos aparecem carregados de ressentimento e desprezo, minimizando sentimentos amorosos ou solidariedade. As mulheres são personagens proeminentes. O relato gira em torno da narradora que se faz protagonista. Tem muito relevo seu relacionamento com uma prima, Petra. Quase todos os da geração delas são marcados por deficiências físicas ou mentais. As deformidades são anunciadas sem nenhum prurido em “dourar a pílula”. Algumas parecem ficcionalmente verdadeiras, outras parecem falseadas para aludir a outros tipos de disfuncionalidade. Yuna, é tomada por alguém de pouca inteligência, mas fisicamente normal e bonita. Sua irmã, Betina, padece de alguma doença congênita grave que implica o déficit cognitivo e corpo disforme. Petra tem nanismo e a irmã, Carina, não é suficientemente desenvolvida intelectivamente. A mãe de Yuna, abandonada pelo marido, é uma professora amarga, distante e cruel como sua tia solteira. A outra tia, mãe das primas, quase não tem identidade na estória e os tios só são citados. A avó materna aparece quando está prestes a morrer e com uma referida demência. Os personagens masculinos, quando apresentam algo positivo, são logo desqualificados por atos ignóbeis ou por outras falhas de caráter. A precariedade, do ambiente às pessoas e de quase todos os destinos, dá tom à narrativa.

Yuna, com ajuda de um professor que se tornará seu cunhado ao estuprar Betina e ser obrigado a casar-se com ela, desenvolve habilidades como pintora e torna-se uma artista bem-sucedida. Descobre também que pode dominar outras formas de expressão como a escrita e o discurso. Ganha autonomia. A pessoa mais próxima dela é Petra, que se tornou muito esperta inclusive ao exercer o trabalho de profissional do sexo. Elas afastam-se com o casamento da última, enganando um homem.

Um livro nada convencional, desconcertante em algumas passagens. Os enganos e inconsistências produzidos deliberadamente na construção ficcional possibilitam interpretações interessantes e engraçadas, o que inclui a crítica à excessiva confiança nas aparências de qualquer situação. Com jeito de texto também portador de deficiências, aproxima-se da vida real na abordagem do que está em seu cerne, mesmo que isto possa ser camuflado de modos bastante diversos.

Título da Obra: AS PRIMAS

Autora: AURORA VENTURINI

Tradutora: MARIANA SANCHES

Prefácio: MARIANA ENRIQUEZ

Editora: FÓSFORO

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