A RAINHA GINGA

A Rainha Ginga (1582-1663) foi uma soberana guerreira numa região da África ocidental, hoje pertencente ao território de Angola. Passou a ser um ícone da afirmação da força dos nativos africanos e símbolo de resistência às incursões europeias, de cunho imperialista ou de exploração dos recursos naturais e humanos do continente. Batizada adotou o nome de Ana de Sousa. Sabe-se relativamente pouco sobre a mulher e governante que ela foi, mas sua figura é bastante representativa da cultura e da proclamação de ideais para os angolanos e certamente para outros. Liderou os seus em muitas guerras e soube negociar sabiamente com os inimigos. José Eduardo Agualusa (Huambo, Angola, 1960) escreveu um belo romance histórico sobre ela. Breve em extensão e grande o suficiente para abordar temas de grande relevância, que excedem os aspectos biográficos.

“A Rainha Ginga” tem como narrador um fictício pernambucano, Francisco José da Santa Cruz, enviado por um mandatário português à futura rainha quando ainda era um jovem padre, para servir-lhe como secretário. O brasileiro passou a maior parte da vida na corte de Ginga ou a seu serviço. As relações da soberana com seu povo, que incluía aristocratas, escravos e categorias intermediárias, como os feiticeiros, assim como com os estrangeiros (especialmente portugueses e flamengos), constante ameaça a sua autoridade, dá corpo ao livro. O olhar de Francisco para o que testemunhou, com a inclusão de algum conhecimento de outras partes da História como instrumentos de reflexão, é o “coração” desse corpo.

Além da vibrante aventura do viver dos personagens, Agualusa oferece a oportunidade de reflexão sobre a férrea propensão para comportamentos hostis e violentos entre os seres humanos. Empatia, solidariedade, o irmanamento, são mais exceção do que regra. A ânsia por poder, que viabiliza a dominação e transformação dos semelhantes em ferramentas, invisíveis enquanto gente, para a realização da ganância parece estar sempre prestes a vigorar, qualquer que seja a raça, etnia, cor, nacionalidade, condição social, etc. A crueldade vige e deveria horrorizar. Talvez o desejo de subjugação do outro seja apanágio da alma humana. Algo que, entre fartos males, determina a escravização de uns por outros, com as mais diversas justificativas e aparências. Religiões e ideologias frequentemente veiculam esta propensão ou compulsão, lançando mão de camuflagens para ocultar o que mais verdadeiramente reside em seu cerne. Todavia, há espaço para o oposto, uma real nobreza do homem. O que também não depende de raça, etnia, nacionalidade, condição social, etc., mas de grande esforço na busca do Bem. Nesta hipótese, a ética move a maquinaria para tornar melhores os que não foram destinados a isto por ordem natural e automática. São os benfazejos movimentos através dos quais os indivíduos recriam-se melhorando o que são e contribuem para consonante recriação do mundo. Neste bojo, também tem peso o conhecimento legítimo, que, sempre incompleto e plástico, deve ser vasto e bem utilizado.

Um enredo envolvente, bonito e que pode fortalecer o intelecto e polir os sentimentos.

Título da Obra: A RAINHA GINGA

Autor: JOSÉ EDUARDO AGUALUSA

Editora: PLANETA DO BRASIL / TUSQUETS

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