MARIA DO CONDOMÍNIO

Envelhecer é ter vivido o suficiente para levar a sério a finitude. É também quando se aprende a conferir menor gravidade a muitas coisas e de dar maior importância a outras. O período em que desenvolver a capacidade de resiliência é mais crucial do que já foi antes. Hora de tornar melhor o que não parecia tão bom. Tempo de fazer a crônica sobre si mesmo e sobre o universo. Um direito de todos.

“Maria do Condomínio” de Cristina Oliveira (Rio de Janeiro, 1949) é o pequeno romance protagonizado por uma mulher que alcançou a senioridade. Experimentou muito, voluntaria e involuntariamente. Desenvolveu ferramentas próprias para entender e lidar com o mundo, essa entidade mutante, insubmissa, que está dentro e fora de cada pessoa. Maria conta o que lhe parece essencial a respeito desse extenso e biográfico espaço. Com o olhar de seu momento, que se renova cotidianamente. Atualiza suas ações, adaptando-as às possibilidades do presente. Conta causos, uns veem de longe, outros são bem do agora dela. Não omite chatices, pois envelhecer também implica várias. Tudo fictício, mas muito verdadeiro. E com bom-humor.

Talvez o conceito de imparidade se aplique bem ao conjunto de vivências que constitui a singularidade da vida humana. Não há reprises nas trajetórias de cada um (quando parece que há é ilusão). Também não há igualdade real quando se toma a vida dos semelhantes como referência para orientar a própria. Todos são únicos, desde muitíssimo antes deles até o muito depois, que se supõe, mas não se avista. Todavia, há o que se compartilhar, pois o mundo oferece bem mais do que solidão. Humanos entrelaçam-se. Assim, cuida-se da vida. Assim faz Maria.

As vivências incluem acontecimentos, ações, projetos, percepções, sentimentos, interpretações, narrativas, crenças, esperanças e muitos outros elementos a estes ligáveis. Evoluindo sem parar. Sob a regência da polissemia de sentidos, da incerteza e da imprecisão. Mas, tudo imprescindível, contribuindo para a topografia pessoal que dá consistência à identidade.

Maria mora num condomínio e observa o que acontece à sua volta, revive as memórias, busca saber mais, mesmo ciente das limitações dos saberes. Constata uma certa invisibilidade dos mais velhos. Sabe que os afetos são os grandes costureiros da vida. Homenageia o amor, reconhecendo-o como nutridor maior, mas não ignora que seus diversos opostos insistem em dar as caras. Ela atravessou e atravessa intempéries. Resiste. Perdeu muitos queridos, mas eles seguem participando de seu cotidiano, seja pela dor de não estarem presentes em “carne e osso”, pela saudade, ou pelo conforto de estarem encarnados nela, para sempre.

Reavaliar aquilo em que cria, encarar as surpresas do que não é mais o que já foi ou daquilo que se transformou em algo tão heterogêneo, mesmo contrário ao que era e ficou perdido num distanciamento desconcertante, são eventos do cotidiano da protagonista. Em compensação há o que pode ver mais de perto, entender de um outro jeito, há o que pode guardar, como joias de valor inestimável. E há o novo, que se incorpora ao seu mundo. Cor, sabor e perfume.

Tive a honra e o prazer de escrever o prefácio deste bonito romance.

Título da Obra: MARIA DO CONDOMÍNIO, envelhecer, chatices e causos

Autora: CRISTINA OLIVEIRA

Editora: VERMELHO MARINHO

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