FLORES

As sensações que as flores despertam nas pessoas são muito variadas. Há quem as ame, as indiferentes e aquelas que se sentem de alguma maneira incomodadas com elas. Também os sentimentos dos humanos uns pelos outros podem ser muito distintos: gostar, desgostar e ser indiferente são categorias gerais. O modo de cada um interpretar a própria história também. Contudo, há sempre a possibilidade de alguma beleza para os que têm olhos para ela.

“Flores” é um romance do português Afonso Cruz (Figueira da Foz, 1971). O título ganha diferentes conotações ao longo do livro, como o sobrenome de uma família na qual nasceu uma cantora de fados e em que os prenomes de todas as filhas são de flores, a representação do que é bom, belo, também a obsessão por um tipo de conhecimento. Como elementos botânicos concretos eventualmente transmitem mensagens entre os personagens. O lirismo do texto é parente da delicadeza das flores. Quem narra é um homem cujo casamento está ruindo, inábil para se relacionar com a pequena filha e com pouca disposição para coletar e avaliar as próprias dificuldades interiores refletidas nos vínculos afetivos. Ele passa a interessar-se por seu vizinho, o senhor Ulme, um idoso que perdeu a memória do passado após uma neurocirurgia para tratar um aneurisma. Quer ajudá-lo a reconstruir sua biografia. Nesta empreitada ele depara-se com as contradições que se sobrepõem na reunião de informações sobre o tipo de pessoa que teria sido aquele que viva tão perto e que era desconhecido. A ação do tempo pode corroer a força dos atos praticados e enterra as intenções. O presente torna-se imperativo e o passado claudica sempre. Também se tornam evidentes as imprecisões relativas a sentimentos e os entendimentos do narrador sobre si mesmo e o mundo.

As palavras são instrumentos preciosos dos dois personagens principais e exercem funções distintas para cada um deles. O mais jovem agarra-se a elas para dar sentido ao que vive, tenta fazer delas bússolas para perder-se menos. O mais velho vai gradualmente sendo desapropriado da capacidade de pronunciá-las, conforme avança uma doença neurológica degenerativa, o que se soma ao que perdeu com a falta da memória. Talvez ambos percebam com mais nitidez algo do que são quando o podem dizer.

Afonso Cruz mostra neste livro, como no restante de sua obra a força da sensibilidade que tem para apreciar os mundos dos quais se ocupa. Oferece ao leitor algo como cores, formas e perfumes das flores.

Título da Obra: FLORES

Autor: AFONSO CRUZ

Editora: COMPANHIA DAS LETRAS

2 comentários

  1. Acho Flores um livro belíssimo, Luís. Talvez, o melhor do Afonso, ao menos para mim. Obrigada pela resenha que me fez relembrá-lo. Beijos.

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