O TÚNEL

“O Túnel” foi o primeiro romance do escritor argentino Ernesto Sábato (Rojas, 1911 – Santos Lugares, 2011). Veicula uma síntese dos problemas (des)humanos que muito tocaram o autor, que o fizeram vibrar com intensidade e dor. Sábato parecia não se acomodar às soluções paliativas que servem a tantos.

O narrador anuncia logo à partida que matou uma mulher e que pretende dizer o que ocorreu para chegar a tal desfecho. Ele protagoniza a estória, sem dividir este papel com nenhum outro personagem, quando se toma o texto em sua dimensão mais aparente. Em outros planos de leitura há protagonismos múltiplos de gente oculta e de características incontornáveis dos animais que se pretendem racionais e justos.

Como foi o próprio autor também, o personagem Juan Pablo Castel é um artista plástico, um pintor. Numa exposição de seus quadros, depara-se com uma observadora concentrada no detalhe de uma pintura, uma janela. Impressionado com sua atenção para este elemento do quadro, ele passa a pensar nela obstinadamente e tenta encontrá-la. Acaba por consegui-lo. Ela é Maria Iribarne, sua futura vítima. A partir do encontro ele desenvolve uma teia de conjecturas envolvendo a mulher numa trama absurda. Supõe que ela o compreende como ninguém jamais conseguira. E isto poderia mudar os rumos de sua história, resgatá-lo da solidão. Ela teria que ser sua. Estabelece um estranho relacionamento com sua eleita ou, mais propriamente, com o produto instável da construção de uma função encarnada nela.

Apesar de haver contato e intercâmbios entre eles no decorrer do que ele conta, o que se entrevê de concreto é de natureza precária e nebulosa. Especialmente, o que o artista faz valer como um saber sobre a pretensa parceira não decorre da observação ou convivência. Castel orienta-se por fantasias e deduções etéreas. Há poucos dados objetivos de que parece dispor. Pesa muito o que lhe estaria sendo negado. A escassez de interação não limita a intensidade do que sente pela figura da mulher que supõe ser Maria.

Através de seu relato, vemos um homem aprisionado num túnel sem início nem término delimitáveis. Certamente o desejo de conhecer, controlar e possuir Maria não se trata de amor. Há paixão febril, mas seu objeto está em outro lugar. Nenhuma pessoa abarcaria tanto. O que ele sente não implica o reconhecimento de alguém e menos ainda é compatível com um vínculo afetivo dirigido a um outro. O enamoramento do pintor parece mais voltado para a solução de conflitos que o impedem de assumir um lugar, uma identidade. O que é conflitante não se explicita. Quem sabe através da janela pintada… Fica a marca da impossibilidade de realizar algo essencial, interdição que Castel não pode suportar. Ele não tem clareza para justificar o que fez e por que fez, fica óbvio que não o compreende dentro das balizas da razão. A paixão é pela possibilidade de saída desse túnel que o isola do restante do universo, mas também, em aparente contradição, a paixão poderia estar amalgamada ao próprio túnel. Talvez haja esperança do desmoronamento das paredes que o constituem. No entanto, o evento quiçá buscado acaba por dissolver-se, confundir-se, com a destruição da promessa de libertação. Ele continua aprisionado, perdido e obcecado. Há quem não tolere viver fora de túneis.

Caberia a leitura de um relacionamento delirante entre algoz e vítima. O que não mudaria substancialmente o tema tratado por Sábato. É difícil acreditar que o que Castel relata reflita alteridade factual e, se o faz, são incertos os pontos da narrativa isto ocorre. Quem seria a Maria fora de Castel? Haveria mesmo alguma? Assim, importam muito mais as desesperadas necessidades, aflições e limitações do personagem narrador.

Ernesto Sábato, embrenhou-se pela seara do pensamento científico e do rigor lógico quando jovem. Depois repudiou-os como recursos incompatíveis com a manutenção da vida. Ele esteve possivelmente sempre perturbado pelo que identificou no como o Mal inextrincável da condição humana. Percorreu cantos extremos do pensamento sobre política e sobre ideologias. Agiu, a seu modo. Denunciou o fascismo devastador em que desembocavam governantes de esquerda e de direita. Criticou duramente a ditadura stalinista. Chegou a construir um extenso e célebre relatório sobre outra ditadura, a militar na Argentina. Fora das garras do fascismo parecia restar o indivíduo oprimido e sozinho em seu sofrimento mais radical. Aparentemente, para ele, qualquer união entre os afins que combatessem a monstruosidade dos humanos não se inscrevia na realidade mais duradoura. O Bem estaria no impalpável além da experiência concreta. Os ideais representariam talvez inutilidades, pois pereceriam fora dos túneis.

O romance é essencialmente metáfora. Como tal, permite diferentes interpretações.

Título da Obra: O TÚNEL

Autor: ERNESTO SÁBATO

Tradutor: SÉRGIO MOLINA

Editora: CARAMBAIA (editora que faz os mais bonitos livros do Brasil, exímios projetos gráficos)

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