Aparentemente Arthur Schopenhauer (Danzig, 1788 – Frankfurt, 1860) não concordava com o dito popular “saber não ocupa lugar”. Oriundo de uma família de posses materiais, teve uma formação sem restrições desta ordem, tornando-se discípulo ou mesmo venerador de Immanuel Kant (Könisberg, 1724-1804) e crítico feroz de G. W. F. Hegel (Stuttgat, 1770 – Berlim, 1831). Como é fato bem conhecido, sua área de estudo e produção foi a filosofia. Todavia, inclusive por não a ver como disciplina que pudesse ser separada do restante da Cultura, falou sobre diferentes assuntos, muitas vezes um tanto distantes dos métodos habitualmente utilizados por ele enquanto filósofo na busca dos conhecimentos válidos. Propagou ideias influentes sobre literatura e arte. Viajou muito, estudou com rigor e escreveu bastante. Entre seus variados ensaios está o curioso “A Leitura e os Livros”, originalmente componente do volume “Parerga e Paralipomena”.
“A Leitura e os Livros”, apesar de ser um ensaio resumido, trata de temas bastante complexos e que despertam muita controvérsia. Schopenhauer parecia acreditar que existem saberes indubitavelmente autênticos e outros falsos e desprezíveis. Chamava atenção para o desperdício de investimento de tempo e energia intelectual na leitura de livros que julgava não só são inúteis no que dizem, mas mesmo prejudiciais por desviarem seus leitores da busca de informação correta, vinculada à verdade. Juntamente com isto, defendia a importância de se empregar tempo para reflexão sobre as boas leituras e sobre o que se dava no viver pessoal. Isso possivelmente implicaria a produção de ideias imprescindíveis para o crescimento do homem (embora sempre tenha manifestado algum pessimismo quanto a isso).
Ele repudiava o diletantismo no hábito de ler. Achava que a leitura deveria estar voltada para objetivos de aprendizagem bem definidos, que determinassem com rigor as escolhas do que se leria. Valorizava grandemente as obras clássicas e o conhecimento das línguas em que tinham sido escritas. Aparentemente, para ele a instrução era quase uma forma necessária de engajamento profissional. Contudo, reprovava o estilo de vida em que um estudioso passasse a viver obcecado por seu tema de estudo, esquecendo-se do que acontecesse fora dele. Talvez acreditasse que os lugares ocupados por cada indivíduo nas sociedades devessem permanecer relativamente estáticos ou para serem alterados demandariam esforços hercúleos e nunca determinados pela livre curiosidade e menos ainda pela busca de prazeres imediatos. Dizia, por exemplo, que a ignorância não degradava o homem, mas o falso conhecimento sim. Seria mais apropriada a dedicação ao trabalho braçal do que aos esforços pela aquisição de saberes fúteis.
Achava que um leitor não adquiriria talentos próprios do escritor quando lia suas obras; simplesmente ou já os teria ou permaneceria como era. Tais capacidades, se existissem, presumivelmente teriam algo de inato.
Sua áspera crítica voltava-se tanto para a “literatura ligeira”, que objetiva a manifestação de opiniões, diversão ou passatempo, o que valia para prosa, poesia e outros textos escritos neste espírito (incluindo libelos políticos e religiosos). Também mirava as artes plásticas de maneira semelhante. Menosprezava alguns artistas tidos por outros como verdadeiros gênios, por não seguirem “leis” estéticas criadas por aqueles que eram objeto de sua admiração incontestável; em relação a alguns pintores de temas religiosos, dizia que eles não produziam seus trabalhos a partir de uma fé séria e sim por imitação de colegas já consagrados, que tinham procedido com retidão de preceitos.
Chegava a propor uma espécie de “polícia sanitária” para excluir as produções literárias e artísticas que não fossem “sérias”, em nome do bem do homem comum e da proteção do verdadeiro conhecimento.
O livro acima citado, que contém este e outros ensaios polêmicos, fez muito sucesso em seu tempo. As ideias defendidas foram amplamente influentes entre uma parte da elite intelectual da época. Lido hoje, em que pese o benefício de pôr em pauta questões sobre a importância da avaliação crítica na produção intelectual e artística, uma (in)certa seletividade de qualidade na recepção do que era produzido, assim como na atenção ao rigor fundamental para a produção de dados científicos e constituição de saberes nesta área, sua visão soa rígida demais, preconceituosa e não desprovida de um tipo de ingenuidade. Mesmo considerada a época e o cenário em que viveu e se formou. Também é possível levantar a questão sobre o quanto a rigidez, a estereotipia na compreensão do mundo que resultam em preconceitos deformadores e um tipo de soberba podem continuar existindo, servindo a diversos propósitos e nem sempre enquanto opiniões sinceras ou inocentes.
Podemos arriscar dizer, em oposição a Schopenhauer, que todos os saberes são potencialmente perecíveis e que funcionam melhor como caminhos para a construção de outros saberes, que a verdade não se transforma em nenhum saber perene. Criticar pode ser uma grande contribuição para autores e artistas na literatura, nas artes visuais e em muito mais, mas qualquer crítica prevarica quando deriva estritamente de modelos pré-estabelecidos, como um tipo de instrução/indução que aniquila o germe do que é novo. Criticar não pode ser um mecanismo para pré-moldar o que escritores, pintores, escultores, etc, possam gerar.
A criatividade, na literatura e em múltiplas manifestações artísticas, é instrumento precioso, próxima do sinônimo de talento e incompatível com a rigidez. A literatura que parece “ligeira” nem sempre o é (às vezes é exatamente o contrário do que parece). Engendrar formas de expressão livres de normas aprisionadoras, que se arrisquem no espaço desconhecido, parece ser pré-requisito para a criação artística, para escapar à redundância estéril, o que vale para muitas outras manifestações dos seres humanos. A complexidade que rege universos pessoais e coletivos exige renovação e nisto, forma e conteúdo podem se fundir.
Título da Obra: LA LECTURA Y LOS LIBROS
Autor: ARTHUR SCHOPENHAUER
Tradução: EDMUNDO GONZÁLEZ-BLANCO
Editor: JOSÉ J. OLAÑERA; CENTELLAS (ESPANHA)

Olhe só que interessante, passei a manhã pesquisando Schopenhauer!
A parábola dos porcos- espinho é a metáfora com as relações humanas. Estou preparando o próximo podcast, para comentar sobre co.o as pessoas são “porcos-espinho” para se protegerem. E o quanto isso prejudica as relações e crescimento das pessoas.
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