Lev Tolstói (Rússia, 1828-1910) parece ter sido um homem que experimentou profundas conturbações internas causadas por contradições entre seu forte senso moral e religioso, com certa crença numa missão doutrinadora da literatura, e a aguda percepção da natureza humana, rebelde aos construtos idealizadores.
A novela “Felicidade Conjugal” mostra um ponto da obra de Tolstói em que prevalece a agudeza de seu olhar para as incongruências entre intenções e atos, para os desconcertos impostos pelo imprevisível da vida, para as frustrações quanto ao que se percebe do mundo em relação ao que se espera dele e para as imposições das atrevidas forças do desejo nos sentimentos e comportamentos dos indivíduos. Nisso, esvaziam-se potenciais admoestações com vistas aos modos “corretos” de se proceder, pois elas dissolvem-se em singularidades dos seres carnais e nas torrentes do viver. As relações amorosas são bons substratos para tratar do tema.
O livro conta a estória de um casal enlaçado nas melhores condições para o sucesso matrimonial, cujas expectativas iniciais de satisfação mútua, ingenuamente largas, murcham gradualmente sem que eventos concretos da convivência sejam suficientes para justificar as transformações no relacionamento. O foco da narrativa está na insatisfação inevitável com o que se pode obter do outro. O que reflete uma verdade: a da impossibilidade de satisfação duradoura, em qualquer circunstância. O autor lembra o leitor que o preço a ser pago em todos os empreendimentos humanos é o encontro com o vazio. E que este se amplia no curso do tempo. Que a esperança de felicidade, quando há, é afluente da resiliência desenvolvida ao manejar as decepções, desencontros e talvez um tipo incontornável de solidão, que cabe a todos e que ganha relevo em certos momentos. Pode-se alcançar um certo gozo, traduzido pelo precioso regozijo com o que é possível, geralmente encontrável em lugar bem distinto da idealização, da fantasia, da crença, da fé. É aquela felicidade que somente se dá com o devido respeito à condição de incompletude, das pessoas em si mesmas e dos vínculos que estabelecem com as outras. Uma grande conquista. Parecendo o contrário.
Título da Obra: FELICIDADE CONJUGAL
Autor: LEV TOLSTÓI
Tradutor: BORIS SCHNAIDERMAN
Editorar: 34

Oi, Luís, obrigada por iluminar ainda mais o meu querido Tolstói. Beijo.
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Eu é que te agradeço, querida Anaelena
Um beijo
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