Intolerância, intransigência, precariedade reflexiva e fanatismo tornaram-se manifestações cada vez mais frequentes e abrasivas em nossa contemporaneidade. Considerem-se as mais diversas geografias. Tão extensos são estes fenômenos que a territorialidade parece perder o sentido. Discuti-los faz parte das tarefas de quem valoriza a ética. Num pequeno livro de ensaios, “Mais de Uma Luz”, o escritor israelense Amós Oz aborda estes temas mirando os meandros interiores do judaísmo e também questões sobre a difícil relação árabe-israelense. Estes tópicos regionalizados são pontos de partida, mas o autor os utiliza para tocar em problemas mais universais das relações interpessoais e entre sociedades. O termo fanatismo é oriundo de fanum (templo em latim) que, segundo o Nicola Abbagnano, “passou a indicar o estado de exaltação de quem se crê possuído por Deus”, está ligado a importantes dramas e trajédias humanos e tem grande relevância neste livro. Deriva-se para religiões, ideologias, moralismos e mais. Nesta acepção, o fanatismo é um passaporte para a intolerância, dispensa pensamento crítico e, eventualmente, “legitima” de atos violentos em graus variáveis de intensidade e visibilidade. No primeiro ensaio, “Caro Fanático”, o escritor critica a adoção radical e definitiva de convicções sobre a superioridade ou prioridade de qualquer raça, credo, nacionalidade, povo, ou classe social. Aponta o perigoso simplismo de avaliação, notável na falta de auto implicação de grande parte das pessoas quando tratam de questões desta ordem. Elas são capazes de denunciar as monstruosidade de ações de grupos extremistas aos quais não pertencem, mas não se mostram dispostas a discutir suas próprias crenças, valores, e ações, assim como o status (incluindo legitimidade e direitos inerentes) que lhes conferem. O autor celebra a diversidade. Propõe o desenvolvimento da capacidade para o respeito e convivência com o que é diferente, mantendo-o como tal. No segundo ensaio fala sobre dos sentidos que podem ser dados ao judaísmo: como religião, como cultura e como nação num território (Israel). A ênfase recai na valorização cultural judaica da tradição de discutir, de questionar, de produzir saberes, em que os debatedores têm sua palavra “ouvida” ou ao menos respeitada, por mais rebeldia que esta veicule. Um certo senso de humor típico cultivado pelos judeus não é esquecido pelo autor. Em alguns âmbitos até Deus pode ser chamado às falas por supostamente descumprir a Lei. Ler, interpretar, interrogar e escrever, são tidos como produções humanas maiores em variados campos do conhecimento e entre distintos segmentos do povo judeu, que incluem crentes, agnósticos e ateus. Amós Oz menciona os grupos fundamentalistas e suas motivações que, ao competirem pelo poder, vendo suas ”leis” e demandas como as únicas legítimas e dignas, deixam de enxergar ou assumir o que nelas há de injusto e destrutivo, ignorando o direito de existência de outros grupos. O terceiro ensaio trata de modo mais específico de problemas políticos israelenses, especialmente no que toca à relação com os palestinos. Oz defende sempre a coexistência pacífica de dois Estados, sem ser um pacifista típico, como declara aberta e justificadamente. No conjunto, os ensaios são um estímulo à reflexão e ao exercício da crítica, visando a sustentabilidade dos alicerces da civilidade. Um convite para pensar. Em qualquer tempo e lugar.
Título da Obra: MAIS DE UMA LUZ
Autor: AMÓS OZ
Tradutor: PAULO GEIGER
Editora: COMPANHIA DAS LETRAS