Há milênios que a Península Ibérica produz riquezas essenciais para a vida humana. Os romanos já sabiam disso e prezaram sua Hispânia. D. Afonso Henriques liderou a criação de Portugal no oeste da Península e o legou à História com forma muito próxima da que tem nos mapas atualmente. Hoje o visitante quase que só vê o que encanta no País, há um ar de brilho e riqueza. Todavia, por longo tempo, tanto o País quanto o restante da Península Ibérica enfrentaram condições difíceis para a sobrevivência de seus habitantes. Até à segunda metade do século XX as populações travaram duras batalhas contra a pobreza. “ERNESTINA” de José Rentes de Carvalho (Vila Nova de Gaia, Portugal, 1930) é um romance que tem como tema maior as condições de vida no norte do País ente os anos de 1930-50.
Com colorido é fortemente autobiográfico, os cenários fulguram, assim como as descrições de maneiras de viver que eram comuns a grande parte das pessoas. A carência de recursos materiais é marcante. Isto determinava muito no que se experimentava cotidianamente e no que se podia esperar do futuro. O que se extraia da terra e a criação de animais eram a fonte de alimentos e aquilo com que comerciava. Manufatura equivalia quase sempre a artesanato. Emigrar, especialmente para o Brasil, era ideia que frequentava a imaginação dos que sonhavam encontrar ou construir melhores condições de vida, mas para a maioria não fazia parte da realidade tangível.
A vinculação à terra e os laços familiares dão a tônica à narrativa. A fartura de nuances, para além da perspectiva regionalista, podem propiciar reflexões mais universais sobre o que fazem os seres humanos para conviver e sobreviver. Aspectos da vida nas cidades geminadas de Vila Nova de Gaia e Porto e, ainda mais, descrições daquilo que se passava nas aldeias que circundavam o rio Douro e em outras mais ao norte conferem um tipo de veracidade que se palpa nas páginas do livro. São mundos inteiros contidos em gestos de aparência comum e nas soluções encontradas para os problemas que fazem parte do que se torna identidade de cada um e nos lugares que são sua terras-mãe antes de serem suas geografias.
Rentes de Carvalho consegue combinar o que é duro, até brutal, com o terno, sem descaracterizar nada. Talvez por isso a narrativa seja tão crível e tocante. Mesmo o que pode não ser factual é verdadeiro. O que constrói amor entre as gentes e em relação ao espaço que habitam parece coincidir com a defesa ou valorização da vida, com a criação de sentidos para ela, com as crenças cujo vigor independe da veracidade nelas implicada. Uma lembrança de que vale enxergar o que está à vista no horizonte, o que se oculta nele e aquilo que exige lupas e lunetas para ser visto. Em todas estas dimensões pode se ver beleza que merece ser contada.
Título da Obra: ERNESTINA
Autor: JOSÉ RENTES DE CARVALHO
Editora: QUETZAL (Portugal)
