“VAMOS COMPRAR UM POETA” é uma pequena novela, uma espécie de fábula, do escritor português Afonso Cruz (Figueira da Foz, 1971). Narrado por uma adolescente, fala de um modo de viver em que predomina a visão de mundo utilitarista numa sociedade regida por valores determinados pela produção e comércio de bens materiais e por calculismo caricatural. Com alguma semelhança à aquisição de animais de estimação, as pessoas podem comprar poetas ou artistas e conviverem com eles como “apêndices” da vida doméstica, instrumentos de diversão ou mesmo servindo a um certo exibicionismo. A narradora compra um poeta e a relação com ele transforma seu modo de pensar.
Mesmo existindo “uma moral” implícita, que é ideológica e talvez excessivamente divisionista, o texto pode ser lido percorrendo diversas vertentes. Uma delas orienta-se pelas funções da poesia e da cultura nas sociedades. A poesia não é apanágio do idealizado “não-capitalismo” ou do “não-pragmatismo”, brota nos mais diversos meios e é um dos talentos humanos, em sua produção e fruição. Pode haver maior ou menor predisposição para a poesia, há o que favorece e o que reduz sua importância. Em “VAMOS COMPRAR UM POETA” o escritor dá relevo ao papel do utilitarismo que impregna entendimentos sobre o que é o mundo e como se deve agir nele. Tal utilitarismo pode tornar raquítica a sensibilidade das pessoas, achatar o entendimento. Põe em risco a percepção das subjetividades, das dimensões mais profundas do que é metafórico e a chance de enxergar e desfrutar da beleza. A escassez de sensibilidade e delicadeza costuma comprometer a aptidão para a solidariedade e para as interações amorosas.
Perder ou deixar de ganhar, de desenvolver, a competência para transitar pelas metáforas e pela poesia implica aridez e pouca fertilidade nas transações com os outros ou de alguém consigo mesmo.
O encanto do livro está no enaltecimento da sensibilidade para o que não é tão imediato no que se vive, na defesa de compreensões mais amplas sobre o que pode ser o humano. O autor destaca os afetos e o polimento que a cultura pode produzir nas identidades pessoais e na convivência no âmbito coletivo.
Afonso Cruz celebra a poesia como recurso para dar sentido à vida e para ganhar liberdade diante da concretude que a todos cerca e compõe.
Título da Obra: VAMOS COMPRAR UM POETA
Autor: AFONSO CRUZ
Editora: DUBLINENSE
