“Contos da Cantuária” é a obra maior de Geoffrey Chaucer (Londres, 1342/3-1400), considerado “o pai da literatura inglesa”. Escrita em versos no inglês vernacular reflete a época de vida do autor, quanto aos costumes do povo e no nascente espírito do renascimento. “CONTO DO MOLEIRO” faz parte desta obra em que peregrinos viajando juntos para a Cantuária no intuito de visitar o túmulo de Thomas Beckett, então canonizado, narram estórias para divertirem-se entre si. Aqui, quem conta é um trabalhador ou proprietário de moinho.
“CONTO DO MOLEIRO” fala de traição, que implica adultério e uso inescrupuloso de um indivíduo pelo outro. Uma mulher de dezoito anos (Alisson) trai o marido (John), um carpinteiro mais velho, com um jovem e ardiloso estudante (Nicolau), hóspede-residente na casa em que vivia o casal. Além do trio, é importante um sacristão (Absalão), que deseja intensamente a mulher. Nicolau e Alisson conspiram para melhor ludibriar John. Absalão, desconhecedor do envolvimento dos jovens, também quer enganar o carpinteiro para seduzir sua esposa. Exceto John, todos os personagens agem em função do sexo, não há outros aspectos da relação amorosa que tenham relevo. Passa-se em Oxford.
Embora seja contado em verso, o que atualmente causa impressão de sofisticação formal, a erudição não parece ser preocupação do autor. Este conto, como os outros do livro, falam de casos ocorridos com pessoas comuns e deixam transparecer costumes e atos circunstanciais que quase nunca estavam assujeitados a sopesamento ético. Tudo é dito de modo frontal, sem mitigação do que poderia parecer chocante, talvez algo que pudesse ser qualificado de primitivismo literário. Também há assiduidade do humor. Há um desfazimento de idealizações a respeito de como agem as pessoas, sobre o que realmente conta para motivar comportamentos. Não há discussão sobre valores e sim a exposição do mais cru no funcionamento dos humanos que não se sentem obrigados a camuflar o que são. Quem conta um conto neste âmbito também fala, indiretamente, de si mesmo. Nesta abordagem havia a ousadia de Chaucer, herdada das fábulas medievais (“fablieux”), escritas em verso, em linguagem popular, sobre eventos comezinhos, para fazer graça, sem cuidar de retidão comportamental, expondo a natureza humana. Sem prescrições moralizantes.
Tudo muito vivo.
Título da Obra: CONTO DO MOLEIRO
Autor: GEOFFREY CHAUCER
Tradutor: JOSÉ FRANCISCO BOTELHO (tradução do inglês antigo para o moderno de Nevill Goghill)
Editora: PENGUIN/COMPANHIA DAS LETRAS
Na ilustração: foto de quadro de Antonio Donghi (Itália 1897-1963)
