Masculino e feminino muitas vezes ao longo da História foram descritos como complementares, talvez alimentando expectativas de que minguassem os eventuais conflitos entre as partes. Todavia, questões sobre o que significam relações justas entre os gêneros têm desafiado os seres humanos. Em muitas sociedades ser mulher implica desvantagens consideráveis. Não é incomum a noção de que o homem deve ser reconhecido como superior à mulher e ter autoridade natural sobre ela. Todavia, isto não é tão simplesmente verdadeiro quanto pode parecer. As disputas por poder nas relações privadas ou públicas ultrapassam bastante as postulações lineares e taxativas acerca das iniquidades associadas aos gêneros. “CONTO DA MULHER DE BATH” que faz parte dos “CONTOS DA CANTUÁRIA” de Geoffrey Chaucer (Londres, cerca de 1342 – 1400) trata disto. Escrito em verso, o relato é cheio de vida, seduz pela frontalidade do que diz.
Nesta saborosa parte da célebre obra de Chaucer encontramos a personagem Alice. Num prólogo para relatar uma lenda antiga, ela fala sobre o como agiu e age com os homens, partindo das próprias relações conjugais. Foi casada cinco vezes e sugere que se casaria muitas mais. Afirma livremente seu apreço pelos prazeres do sexo e mais ainda o imprescindível gozo na sensação de submeter os maridos fazendo-lhes parecer o contrário, suas prerrogativas estão acima das convenções sociais. Ela mostra-se uma narradora ousada, não se furtando a dizer cruamente o que pensa. Nomeia os órgãos genitais sem nenhum prurido. Faz mais do que defender os direitos da mulher (o que também é pregnante em sua fala). Quando chega ao seu conto propriamente dito ela desvela o desejo de dominação, que está acima das questões de equanimidade de direitos e deveres entre os gêneros. O conto, a lenda, é sobre um jovem cavaleiro do tempo do rei Arthur a quem uma feiticeira revela o que realmente quer uma mulher. Este é o fecho, o ponto final que determina o sentido maior de tudo o que Alice disse sobre si mesma.
Alice, assim como outros dos peregrinos que viajam juntos nos “CONTOS DA CANTUÁRIA”, é uma espécie de baluarte de características essenciais das pessoas, daquilo que é sempre atual nas mais diversas geografias e datas. Expõe sem pruridos o que costuma permanecer embutido em pregas da realidade. A sofisticação de Chaucer, um dos grandes expoentes da literatura inglesa clássica, faz com que ele atravesse o que é mais aparente, como uma afirmação do feminismo, para atingir o que julga fundamental. Ele mira o universal: o desejo de dominação de uns pelos outros, que pode estar presente em qualquer indivíduo, independentemente do gênero, ainda que cada um o faça a seu modo e que importem as peculiaridades de homens e mulheres quanto às condições sociais e aos recursos empregados.
Título da Obra: CONTO DA MULHER DE BATH
Autor: GEOFFREY CHAUCER
Tradutor: JOSÉ FRANCISCO BOTELHO
Editora: PENGUIN/COMPANHIA DAS LETRAS
Na ilustração: pintura de George Condo (EUA, 1957
