OS VULNERÁVEIS

Os seres humanos há muito são norteados por algum tipo de organização no manejo a vida. Tentam interpretar o que se passa dentro e fora deles. Constroem razões para justificar o que fazem, a priori ou posteriori.  Todavia, persiste o temível caos subjacente a tudo o que parece bem definido e passível de compreensão. É especialmente difícil a conquista de eficiência sustentável ao se buscar um viver racional e justo.

“Os Vulneráveis” de Sigrid Nunez (Nova York, 1951) traz estes elementos na sucessão de narrativas não lineares que compõem o romance. A narradora percorre a própria trajetória fazendo observações interessantes, mesmo que sem grande detalhamento e que apontam para as rinhas que pessoas estão sempre prontas a criar para combates que tendem ao absurdo. A consistência do que se pensa e faz está sempre em jogo, mesmo que isto não pareça tão fundamental quanto é na maior parte do tempo. Talvez valha considerar que a inconsistência na razoabilidade das premissas adotadas pelos indivíduos em suas crenças e atos é a regra.

A autora toca em questões do “politicamente correto”. Comportamentos que ganham a qualificação de assédio em diferentes campos, que sugam muita energia dos indivíduos embriagados pelo radicalismo com que tratam do assunto e suas funestas consequências, são abordados. Claro que o grifo está na magnitude da coisa, no abuso do conceito. Ela envereda pela barafunda das relações entre pessoas que convivem e na ideia que têm sobre seu papel na sociedade. Tudo instrumentalizado por causas de aparência nobre, frequentemente deletérias ao exercerem a função de certezas contundentes.

O tempo da narrativa inclui a rememoração do passado, mas tem relevância o que se dá na contemporaneidade da pandemia de Covid-19. A vulnerabilidade das pessoas ganha destaque com a possibilidade de adoecimento e morte. A convivência torna-se ameaçadora. Todavia, as debilidades mais corrosivas precedem e sucedem o momento da ameaçadora doença. Têm relação com o descompasso de cada um com o mundo, entre crenças e realidade. É algo que parece estar no âmago dos indivíduos de qualquer tempo, contém as contradições daquilo que os estrutura e os torna fatalmente destrutivos, a despeito de não serem movidos por más intenções conscientes, de eventualmente tentarem ser bons.

As mitologias transformam-se, atualizam-se, formam sempre novos apostolados. Embora a intensidade da fé que cada apóstolo carreia difira, ela é sempre inerente à convicção de conter a verdade. Algo que costuma levar a caminhos que mais servem para a fundação de seitas do que para melhorias necessárias ao bem-estar e preservação da espécie. Vulnerabilidade dos humanos, que deixam de bem avaliar seu papel na natureza que acreditam defender.

Título da Obra: OS VULNERÁVEIS

Autora: SIGRID NUNEZ

Tradutora: CARLA FORTINO

Editora: INSTANTE

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