LÍNGUAS

Uma língua, qualquer que seja, abriga infinitas outras. Isto não se restringe somente aos dialetos, tão numerosos, mas ao modo como cada um a emprega. Algo que merece reconhecimento intelectual e afetivo. Instrumento sagrado para expressar o que nasce sem nome. Também nascedouro daquilo que se vem a ser, a cada momento, ao longo da vida. As palavras inundam as pessoas em suas trajetórias e contribuem para constituí-las.

Domenico Starnone (Nápoles, Itália, 1943) publicou um breve romance com o título de “Línguas”. Fala da conexão de um personagem com as variações no uso do italiano, nos seus desdobramentos no dialeto napolitano, porém isto é uma espécie de metáfora para aludir ao que fazem os humanos quando interagem. Ao navegar numa língua, são tecidas infinitas compreensões do mundo. Constroem-se mundos.

É um romance de formação. Talvez menos usual do que seus semelhantes.

Um homem já maduro coleta lembranças. Ordena-as. Declara as reparações que se lhe impuseram quanto ao que guardou em seu interior. São as memórias do que mais importou e importa no engendramento de sua identidade. Seus esqueletos são afetos. A relação com a avó é uma referência de todos os tempos que se conjugam ao viver. Os jogos com um amigo que mora em sua vizinhança e as fantasias românticas envolvendo uma menina residente no prédio defronte ao seu também importam por todo o seu sempre. Um conjunto de condutores biográficos.

O protagonista desejava ascender socialmente, o que por muito tempo equivaleu a dominar a língua italiana culta, distinta do dialeto falado pela família. O cenário de sua infância é um bairro pobre de Nápoles. Início da década de 1950. Depois os primeiros anos da vida adulta, o tempo de universidade, quando estuda Letras e dedica-se à glotologia. A avó, viúva desde jovem, era quem se encarregava dos cuidados da casa e, principalmente, dele. Sempre a estrela maior, mesmo quando ele não tinha noção disto. Havia sido desprezada por sua simploriedade. Era, todavia, a fonte de onde brotam os tesouros que perdem a visibilidade por estarem diluídos no cotidiano, que quase sempre é opaco no tempo presente. Manancial de amor precariamente acolhido. Transmissora da arquitetura que erige os que estão dentro de seu abraço. Escudo do que é mais legítimo no que é ele e são os seus.

O que se dá no âmbito da comunicação tem papel central no livro. Starnone aponta para o fato de que o que é dito de um modo é ouvido de outro. Quase sempre. Entretanto, enlaça as pessoas. Dizer e ouvir são fenômenos de grande porte. Abarcam belezas geradas num e noutro polo, na emissão e na recepção. As regras são complexas, difíceis de serem proclamadas, rebeldes a compreensões inteiras.  

Título da Obra: LÍNGUAS

Autor: DOMENICO STARNONE

Tradutor: MAURÍCIO SANTANA DIAS

Editora: TODAVIA   

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