LEITURA E IMAGINAÇÃO

A imaginação pode ser fonte de encantamento e instrumentalizar operações essenciais no trânsito pela vida, embora possa ter também aspectos negativos. De modo geral, presume a habilidade de criar “imagens” mentais, simples ou complexas. Podem corresponder a formas “visualizáveis”, associadas a áreas da sensorialidade e, de modo importante, habitualmente compreendem ideias e afetos em sua composição. Geralmente um combinado de tudo isto. São sempre abstrações para as quais os seres humanos são dotados. Há resgate de elementos já conhecidos, memorizados, representando-os na consciência, frequentemente rearranjando-os, transformando-os. Mas não se restringe a isto, conta muito a adição contínua de outros recursos provenientes de fontes externas ao indivíduo. Constroem-se redes constantemente alimentadas pelo que é novo e em modificação perene. Basicamente a imaginação é uma função criadora, posto que não podemos tomá-la como simples reprodução do objetivamente vivido. Há sempre acréscimos e subtrações e mesmo ficcionalizações imensas e íntimas. Imaginar ajuda a construir a história de cada um.  

A imaginação tem relação com a inteligência, talvez possa ser considerada um dos seus componentes. Todavia, ela deve ocupar campos relativamente delimitados no funcionamento mental. Captar a natureza e o espaço que lhe são próprios é necessário para estabelecer fronteiras entre realidade e não realidade, entre dimensões da realidade, entre crenças e evidências e muito mais daquilo que ajuda a viver tendo alguma noção dos rumos tomados.

Ler, estimula engrenagens criadoras na mente. Em muitos sentidos diferentes. Auxilia no desenvolvimento de habilidades da imaginação. Permite fantasiar, engendrar situações que mesmo só existindo virtualmente podem contribuir para melhor compreensão e ação na vida real. Além de propiciar uma modalidade especial de prazer. A leitura pode funcionar como um tonificante dos recursos imaginativos. Pode acarretar benefícios para o funcionamento cognitivo e afetivo, tornar a visão de mundo mais flexível e includente, robustecer o exercício da reflexão crítica, incidindo sobre convicções cristalizadas, excessivamente limitantes ou disfuncionais e alterá-las, gerando possibilidades imprevistas.

Quando se diz que ler pode tornar as pessoas mais inteligentes, afirma-se uma possibilidade realista. Isto inclui o fomento das capacidades imaginativas. Ao contrário de ser uma fuga da realidade, como alguns acreditam, o resultado do hábito de ler, de mergulhar numa leitura, pode fazer com que a pessoa desenvolva aptidões para entendimentos mais extensos do que se passa em seu universo. Ela não emergirá do mergulho exatamente do mesmo modo que era quando mergulhou.  A leitura, mesmo que se considere somente a literatura ficcional, não aliena o indivíduo (embora possa ser eventualmente utilizada neste sentido e até servir para fundamento de distorções, etc). O exercício de ler pode sofisticar o pensamento. Viajar pelos textos feitos por outras mentes é transitar por um tipo de diversidade. Os livros e outros continentes de escrita estão recheados do que provém do imaginário de seus autores, de suas interpretações, problematizações e soluções. Há na leitura uma forma de comunicação, de ligação entre indivíduos. Há estímulos preciosos para o leitor. É como se as imaginações se conjugassem e derivassem para algo novo, que não estava totalmente contido no autor e nem no leitor. Certamente têm relevância a qualidade do que se lê e a possibilidade de ler com profundidade crítica. Parte do que se lê não passará pelo crivo seletivo do leitor, encontram-se leituras de mau conteúdo ou de formas toscas e talvez delas nada se aproveite. Todavia, a possiblidade do contrário sempre justifica a busca. O bom encontro entre escritor e leitor (sempre uma contingência) pode fazer parte dos processos civilizatórios. Não é tudo, mas é potencialmente muito.

Na ilustração: foto de obra de Robert Delaunay (França, 1885-1941)

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