Tomás separou-se de Francisca quando ambos entravam nos cinquenta anos. Em seguida uniu-se a Magô, de vinte anos. Ele sentia-se prematuramente velho ao lado da primeira esposa, pois ela abdicara de buscar juventude e adquirira hábitos dos que abandonaram a excitação e as expectativas da mocidade. O homem insistira para que a mulher não assumisse essa posição. Ela acabou por oferecer-lhe a saída do casamento, uma “chave para liberdade” e ele encontrou a jovem. Sentiu-se recuperando o “clima” de vitalidade. Depois de algum tempo de convivência com a nova mulher ele passa a ter atitudes equivalentes às de Francisca. Esgota-se ao tentar acompanhar Magô, tão cheia de energia. Quer descansar ao fim do dia e não vê mais sentido naquilo que é importante para a moça e talvez já tivesse sido para ele. Acaba por também oferecer-lhe a chave libertadora, embora ela tenha uma outra forma neste contexto.
Esse é o resumo do conto “A Chave” de Lygia Fagundes Telles (São Paulo, 1923-2022), pertencente ao volume “Antes do Baile Verde”. Como no restante do livro, a autora é sutil ao dizer muito em texto de pouca extensão. Provoca o leitor. Contando o que se dá nos dois casamentos de Tomás ela toca em questões que afetam grande parte das pessoas e que se desdobram em diferentes sentidos. Aponta para uma certa direção, quase proposta, inspirada na inevitabilidade de fatos que portam as determinações do tempo. Talvez a maioria deseje preservar o estilo de vida tomado como jovial, tentando conter o envelhecimento ou negá-lo. Até certo ponto a empreitada funciona. Há recursos para mitigar os danos à aparência do corpo e mesmo para preservar algumas de suas funções. Mas há um limite para isto. Os resultados dos artifícios rejuvenescedores podem falhar em seu propósito e passam a ser mais denúncia do que disfarce do que decai. Embriagar-se com a ilusão de viver no mesmo compasso dos anos verdes costuma acarretar frustração e sofrimento, além de privar o indivíduo do que pode ser bom ao adequar-se à sua real condição. O que é bom deve ser buscado e valorizado, o ônus vem de qualquer jeito. Tratando-se do modo de relacionamento com o entorno as coisas podem também se complicar.
Melhor não travar lutas quixotescas com o relógio inscrito no corpo e na mente de cada um, nem com as transformações do mundo. Valem as tentativas de boas alianças com o poderoso tempo. Uma dose de submissão pode ser redentora.
Na ilustração: foto de obra de Kay Sage (EUA, 1898-1963)
Título da Obra: A CHAVE (um dos contos contidos em “ANTES DO BAILE VERDE)
Autora: LYGIA FAGUNDES TELLES
Editora: COMPANHIA DAS LETRAS
