DEPOIS DA CORRIDA

James Joyce (Irlanda, 1882 – Zurique, 1941) parece ter mantido a pátria sempre acesa em sua ficção. Isso implicava reflexões sobre os problemas que a assolavam, mais do que as peculiaridades alegres que dela provinham. A posição da Irlanda frente ao mundo e especialmente quanto à Inglaterra contava muito. O conto “Depois da Corrida”, parte de “Dublinenses”, trata com sutileza do modo como o autor olhava para sua terra na virada do século XIX para o XX.

A breve estória fala de homens jovens de diferentes nacionalidades que participavam de uma corrida de automóveis com ponto de chegada em Dublin. A época é no início do século XX. Quatro rapazes vinham num mesmo carro, propriedade de um deles, o francês Ségouin. Os outros eram um primo dele canadense, Riviére, um mecânico e músico húngaro, Villona e o irlandês Jimmy Doyle, cujo pai tinha enriquecido e deixado de ser nacionalista. O francês parecia ter família rica já há muito e não conhecer os esforços necessários ao enriquecimento. O irlandês, não era pobre e, apesar de disposto pôr seu dinheiro em risco, sabia bem que não era fácil ganhá-lo. O húngaro estava em desvantagem financeira, possivelmente também o canadense. Na noite da corrida os jovens comemoraram num jantar a vitória do carro de Ségouin, que pretendia se lançar na indústria automobilística. Doyle cogitava investir no projeto e seu pai estava entusiasmado com a possibilidade por acreditar que era promissora. Ao grupo dos quatro, juntaram-se um inglês, Routh e um americano, Farley. Ségouin mostrava habilidade para impedir que a conversa desembocasse em política e, inevitavelmente, nos movimentos separatistas irlandeses. Contudo, o tema está nos subterrâneos do encontro. Mais tarde os seis rapazes seguem para o porto e tomam uma lancha rumo ao suntuoso iate de Farley. Embarcados, passam o resto da noite a jogar cartas. Doyle e Farley são os perdedores. O irlandês tem pouca noção do que pode ter perdido e, curiosamente, alegra-se por ter dado satisfação aos amigos estrangeiros. Numa frase do interior do conto Joyce diz que empolgação do jovem irlandês não implicava felicidade.

Para dar sentido à curta narrativa de Joyce vale pensar sobre as condições dos países mencionados no início do século XX. A Inglaterra ainda era “senhora” da Irlanda, a França o representava o ideal de cultura e modernidade. A Hungria relativamente pobre, apesar de pertencer ao poderoso Império Austro-Húngaro, lembrava os valores do passado na alusão à música renascentista tocada por Villona. Os EUA estavam começando a enriquecer através da industrialização. A pobreza e atraso da Irlanda eram atribuídos por parte da população à sua condição subalterna ao governo inglês. Doyle e Farley tinham algo em comum: os laços de seus países com a Inglaterra. No caso do primeiro havia um atamento vigente e para o segundo algo que estava no passado em termos políticos e econômicos, mas se tornava presente na noção de superioridade do “Velho Mundo”, ainda pregnante.

A competição que está no título ao conto talvez possa ser interpretada como metáfora da corrida rumo ao futuro e ao modernismo como modelo de pensamento, como caminho para a renovação e liberdade. Estava em jogo a busca pelo que ainda era incerto ou muito embrionário para ser bem divisado como esperança no porvir.

Na ilustração: foto de obra de Wassily Kandinsky (Rússia, 1866 – França, 1944)

Título da Obra: DEPOIS DA CORRIDA

Autor: JAMES JOYCE

Tradutor: CAETANO W. GALINDO

Editora: PENGUIN/COMPANHIA DAS LETRAS    

After the Race

James Joyce (Ireland, 1882 – Zurich, 1941) seems to have kept his homeland perpetually alight within his fiction. That fidelity, however, meant reflecting not upon Ireland’s charms but upon its afflictions—its struggles, contradictions, and uneasy place in the world, particularly in relation to England. The short story After the Race, part of Dubliners, delicately captures Joyce’s gaze upon his native land at the turn from the nineteenth to the twentieth century.

The brief narrative recounts an evening among young men of various nationalities gathered in Dublin after a motor race. The time is the early twentieth century, when automobiles still represented the frontier of modernity. Four companions ride together in a car owned by the Frenchman Ségouin: his Canadian cousin Riviére, a Hungarian mechanic and musician named Villona, and the Irishman Jimmy Doyle, whose father had grown wealthy and, with that fortune, abandoned his nationalist convictions. The Frenchman’s family had long been affluent; he knew little of the effort required to acquire wealth. The Irishman, though no longer poor, understood its fragility and was conscious of the risks his ambitions entailed. The Hungarian and the Canadian appear to stand on lesser means.

That night, the young men celebrate Ségouin’s victory at a dinner, his triumph promising the dawn of an industrial venture—an automobile enterprise in which Jimmy considers investing, encouraged by his father’s optimism. The circle expands to include an Englishman, Routh, and an American, Farley. Ségouin, with a diplomat’s tact, avoids any conversation that might turn to politics and, inevitably, to Irish separatism. Yet the subject hovers, unspoken, beneath the laughter and champagne.

Later, the six take a launch to Farley’s luxurious yacht moored in the harbor, where the revelry continues in a night of card games. Doyle and Farley are the losers. The young Irishman, scarcely aware of the extent of his loss, feels nonetheless gratified to have entertained his cosmopolitan friends. Joyce remarks, with surgical irony, that his excitement did not equate to happiness.

To grasp the resonance of this slender tale, one must consider the condition of the nations it evokes at the dawn of the new century. England remained the “mistress” of Ireland; France represented culture and modernity; Hungary, poor yet noble in spirit, evoked the echoes of a bygone past—mirrored in Villona’s Renaissance music; and the United States was just beginning its ascent through industrial power. Both Doyle and Farley bore ties to England—one through subjugation still active, the other through a historical lineage now transmuted into prestige.

The “race” of the title thus transcends the literal contest of automobiles. It becomes a metaphor for the competition among nations—and among men—toward the future, toward modernity as the emblem of renewal and liberation. Joyce’s young Irishman runs with enthusiasm but without direction, dazzled by motion yet detached from purpose. Beneath the glitter of modern progress lies the quiet melancholy of a people still learning how to steer their own course.

Illustration: Photograph of a work by Wassily Kandinsky (Russia, 1866 – France, 1944)

Title of the Work: After the Race
Author: James Joyce
Translator: Caetano W. Galindo
Publisher: Penguin / Companhia das Letras

Deixe um comentário