O PROCESSO MAURIZIUS

“O Processo Maurizius” é considerado por muitos o melhor romance de Jakob Wassermann (Alemanha 1873 – Áustria, 1934), foi seguido de mais dois, formando uma trilogia. Wassermann publicou muito até a ascensão de Hitler, que baniu todos os seus livros. Entre eles o famoso “Kaspar Hauser ou A Indolência do Coração”. Judeu, cresceu num mundo conturbado e testemunhou o agigantamento do antissemitismo. A sociedade em que vivia e a qual tinha amado tornara-se convulsa, inóspita, propensa à barbárie. A Primeira Guerra Mundial aconteceu durante sua vida. Foi um homem preocupado com a construção e função de valores morais. Viu a importância de seu sopesamento conforme os contextos transformavam-se. Nisto, detectou o enrijecimento perigoso de princípios morais estanques causado pela desidratação do pensamento crítico/ético.

O enredo de “O Processo Maurizius” foi desenvolvido em diferentes planos. Passa-se em parte na interioridade do protagonista e em seu meio imediato, mas não deixa de articular a psicologia do personagem com amplas questões sobre o funcionamento da sociedade. Neste âmbito toma como tema condutor os conceitos de justiça, sua aplicação por sistemas jurídicos e sua relação com a complexidade do comportamento humano, com o jogo que embaralha falsas aparências, motivações espúrias e os aspirados modelos de civilidade. Notou que o que é verdadeiro deve ser extraído de razões que subjazem tímidas à estridência de discursos e ações. Deu relevo à complexidade da realidade resistente a interpretações que se pretendem inequívocas. No cerne da estória eleva-se o contraponto entre o convencionalismo do sistema judiciário e as medidas justas. A instrumentalização das leis pode ser feita inescrupulosamente para servir à obsessão pelo poder. A isto soma-se o fato de que a aplicação da justiça pode ser cega, mas pode não o ser no intuito de preservar a equanimidade dos sujeitos e sim para garantir interesses condenáveis ou por assustadora incompetência. O autor aponta para a nefasta desqualificação daquilo que é verdadeiro em prol do que é falseado por conveniência e conivência com a corrupção que apodrece estruturas das sociedades, mas é por muitos aceita e justificada.

Há um elenco de personagens marcantes, como o jovem Etzel Andergast, cujo pai é o barão Andergast, um alto magistrado. Este vê em sua autoridade um fim em si e não um meio para exercer apropriadamente o papel no lugar para o qual foi designado, nunca questiona as próprias convicções. É malignamente vaidoso. O barão é o principal responsável pela condenação de um homem chamado Maurízius a vinte anos de prisão pelo suposto assassinato de sua mulher.

Etzel tinha sido privado da convivência com sua mãe sem ter noção da causa disto. O barão estabelecera proibições rígidas, impedindo qualquer comunicação entre mãe e filho e não permitia em seu círculo que se falasse sobre quem era e o que fizera a ex-mulher. Talvez este seja o desencadeador da inquietação de Etzel a respeito das engrenagens do mundo em que vive. Surge a premência de entender o que se faz por justiça. Depara-se com o caso de “Maurizius” e as dúvidas que pairam sobre a culpa do condenado. O rapaz fica mesmerizado por isto. Persegue respostas que transcendem o crime e seu desvendamento. Aprende sobre o caráter das pessoas e as monstruosidades que são capazes de engendrar.  Mergulha nos descompassos do mundo ao buscar o que é correto. Arrisca-se. Fica de cara com a vileza e pusilanimidade. Vê as injustiças como prole maldita da justiça formal e da perversão dos que podem operá-la ou malversá-la. Ele é tenaz na procura daquilo em que possa acreditar e que o auxilie a dar sentido à própria vida. Transforma-se nesta empreitada.

Uma estória rica e perspicaz. Mesmo se passando na Alemanha do início do século XX, reflete muito do que é universal quanto à precariedade de diligências éticas e autenticamente justas.  

Título da Obra: O PROCESSO MAURIZIUS

Autor: JAKOB WASSERMANN

Tradutores: OCTAVIO DE FARIA E ADONIAS FILHO

Editora: SÉTIMO SELO

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