“Coriolano” é uma das tragédias de William Shakespeare (Stratford-upon-Avon, Inglaterra, 1564-1616). Foi escrita quando o dramaturgo já era um homem maduro e experiente quanto ao mundo em que vivia e na expressão de seu talento. São cinco atos dotados de agilidade e recheados de material para reflexão para quem lê ou assiste a peça.
O tema, de inspiração histórica, trata principalmente da relação do ser humano com poder. Porém, outros aspectos do comportamento humano, em atos ou motivações, articulam-se dentro do enredo. A estória passa-se em Roma, pouco tempo após a derrubada do rei Tarquínio e instauração da república, e em duas outras cidades próximas, Coríolos e Ântio, terras estas de um povo denominado “volsco”. Caio Márcio, um aristocrata guerreiro, formatado pelo sistema de crenças da elite romana e pelo que a mãe queria dele, após vencer os volscos é nomeado Coriolano (aludindo à vitória em Coríolos). Ao voltar da guerra candidata-se ao prestigioso cargo de cônsul. Para alcançá-lo deve ser aprovado tanto por senadores, representantes da elite, quanto pelo povo, através dos tribunos e diretamente por aclamação pública. É de praxe pedir votos a pessoas comuns. Para cumprir esta etapa do processo o candidato deve vestir trajes humildes e que permitam exibir as cicatrizes frontais, troféus de sua bravura. Também é preciso proclamar outras boas qualidades ao discursar com palavras que Coriolano considera adulatórias e indignas de serem proferidas por alguém cujo mérito é evidente. Além disso, ele desgosta-se por ver no ritual uma afronta a sua condição, um engodo constrangedor ao fingir submissão à massa, para ele inferior e que considera incapaz de decidir sobre o que conviria ao Estado. Ainda assim, ele cumpre o papel esperado até cair em armadilha urdida pelos tribunos, que não o querem cônsul. Eles convencem pessoas do povo de que Coriolano seria uma ameaça ao bem-estar comum, fazem com que ele seja provocado e que fale o que é prejudicial a sua eleição. O consulado lhe é negado e ele é expulso de Roma. Sentindo-se traído e humilhado, Coriolano busca o líder dos volscos, Aufídio, a quem odiava e por quem era odiado no mesmo grau. Oferece-se para servir em seus exércitos e arrasar Roma. Próximo das portas da cidade, liderando os soldados volscos, recebe pedidos de clemência dos romanos, mas resiste, firme em seu propósito de vingança. Quando finalmente sua mãe, esposa e filho são enviados para implorar pela pátria romana, ele cede e negocia a paz com Aufídio. Roma é poupada. Ele retorna com os volscos. Por mais de uma razão seu líder, Aufídio, planeja a execução do rival, acusando-o de traidor por não ter destruído majestosa cidade. No entanto, depois de matá-lo os volscos honram-no na cerimônia fúnebre.
Guerrear pela pátria era o caminho para a glória e, em conformidade com a magnitude das conquistas, um modo de chegar ao poder na antiga Roma. A mãe de Coriolano, Volúmnia, valoriza a glorificação mais do que a vida. Ela tem um lugar muito expressivo no enredo, pela relação que estabelece com o primogênito e por representar os valores aristocráticos ou talvez o próprio Estado. Tem também grande relevo o personagem chamado Menênio, profundamente amigo de Coriolano. Ele tenta promover sua ponderação, sensatez e autoproteção. Em contraponto, estão os dois tribunos da plebe, Bruto e Sicínio. Estes, hábeis em artimanhas, ao invés de defenderem os interesses do povo que representam dão vazão aos ressentimentos e interesses pessoais. Coriolano é pouco hábil para a política. Inflexível quanto a seus valores, incorre em preconceitos, arrogância e cegueira para a pluralidade de dimensões da realidade. Mostra-se impermeável ao exercício da ética, não sopesando seus valores. Isto acaba por alimentar as engrenagens que o conduzem à derrocada. Contam outros fatores, como a deslealdade de muitos com quem ele convive e o oportunismo daqueles que sabem lançar mão de estratégias mais convincentes para o controle da situação e fazem valer conveniências.
A peça expõe contradições que afetam líderes no tratamento de questões relativas à conquista de posições e tratamento da coisa pública, assim como no que é determinado pelas personalidades individuais. Contrapõe propósitos aos resultados pragmáticos, trata da dificuldade de interpretar contextos, de identificar os problemas mais relevantes e encontrar soluções eficazes para eles. Faz pensar na importância do exercício crítico e ético da razão para além da moral. Aponta para a complexidade da vida em sociedade, de sua governança. Ressalta a manifestação do que é íntimo e subterrâneo nos indivíduos nas complicações do relacionamento com os outros, próximos ou distantes. Há muito o que pensar.
O trágico em “Coriolano” é o protagonista não conseguir escapar à destruição a que ele se destina por sua determinação pétrea, crenças e ingenuidade, passando à condição inversa do que pretendia. Inimigos existem entre os seus e aqueles a quem combateu, mas também são inimigas características suas, que o incapacitam para manejar problemas que extrapolam a guerra franca.
Shakespeare é clássico, atual e vigoroso em diferentes épocas.
Título da Obra: CORIOLANO
Autor: WILLIAM SHAKESPEARE
Tradutor: CARLOS ALBERTO NUNES
Editora: PEIXOTO NETO
