ARÁBIAS

No ano de 1894 aconteceu em Dublin, Irlanda, um Bazar que durou vários dias e foi chamado de “Arábias”. James Joyce (Dublin, Irlanda 1882 – Zurique, 1941) deu este título a um de seus contos.

O enxuto enredo acontece durante a infância/adolescência do protagonista em seu primeiro enamoramento. Ela morava na casa em frente e despertava nele emoções impactantes e transformadoras. Nada era dito quanto a estes sentimentos e suas implicações. Para os jovens, naquele momento abordar questões amorosas era pisar um terreno desconhecido e assustador, para os adultos mais velhos talvez fosse algo desaparecido há muito, sem propósitos palpáveis, próximo da leviandade. O menino vivia com os tios e obedecia rigorosamente ao que lhe era determinado por eles. A mocinha estudava num colégio de freiras e era bastante contida. Ela sabia sobre o bazar, tinha grande desejo de o visitar, mas não poderia devido a compromisso incontornável em sua escola.

O bazar representa um estreito canal de comunicação, por onde poderiam transitar afetos em jogo. O protagonista planeja ir e promete a ela trazer um presente para sua quase-amada. Enfrenta dificuldades para chegar ao “Arábias”, pois depende do tio para autorizar a excursão e fornecer os recursos financeiros. O homem parece não se importar muito com as solicitações do sobrinho, ou mesmo pretender sabotá-las. O dinheiro fornecido é tão pouco e entregue já demasiado tarde. Ao chegar o rapaz encontra poucas barracas abertas e nada que possa comprar. Tem que voltar para casa de mãos vazias, sem nada que sirva de meio para declarar seus sentimentos à garota. Ele fica impotente para realizar o que ia tomando feições de um sonho, possivelmente um primeiro sonho de uma nova ordem. Talvez uma trilha para o amor.

A estória passa-se num mundo onde os afetos são desidratados pelas premências de subsistir e pela observância a um sistema rígido de valores. Não há muito espaço para lirismo. Fica sugerido um tipo de pragmatismo cotidiano que decepa delicadezas e levezas que amaciem o viver. Para muitos parece ser esta a forma de eliminar o supérfluo, que seria em si maléfico. A crueldade apresenta-se, mesmo que os gestos que a fazem ser o que é não tenham vínculos claros com as intenções de seus autores. O “Arábias” desloca-se para as Arábias, distantes, desérticas, inalcançáveis. Uma miragem.

Na ilustração foto (parcial) de obra do artista Jason Seife (Miami, 1989)

Título da Obra: ARÁBIAS (parte da coletânea “DUBLINENSES”)

Autor: JAMES JOYCE

Tradutor: CAETANO W. GALINDO

Editora: PENGUIN/COMPANHIA DAS LETRAS

Araby

In 1894, a fair was held in Dublin, Ireland—a many-day event called “Araby.” James Joyce (Dublin, 1882 – Zurich, 1941) gave this name to one of his most emblematic short stories.

The concise plot unfolds in the childhood—or early adolescence—of the protagonist, at the threshold of his first awakening to love. The girl who stirs these new, transformative emotions lives across the street. Nothing is spoken of his feelings or their consequences. For youths of that time, to speak of love was to tread uncertain, even forbidden ground; for their elders, it was perhaps something long extinguished, trivial, or faintly improper. The boy lives under the guardianship of his aunt and uncle, whose rules he follows with dutiful obedience. The girl studies at a convent school and is equally reserved. She speaks to him once about the fair, confessing her wish to go—though she cannot, bound by an unshakable school commitment.

The bazaar becomes a narrow passageway through which affection might flow—a fragile conduit for desire. The boy promises to visit Araby and bring her back a gift. His journey, however, is beset with obstacles: he must depend on his uncle’s permission and purse. The man delays, forgets, and at last hands over a few coins too late. When the boy finally arrives, most stalls are closed, their lights dimming. There is nothing left to buy, nothing to give. He returns home empty-handed—bereft of the token that might have revealed his longing. What had begun to take the shape of a dream—a first dream of another order, perhaps the beginning of love—dissolves into futility.

The story unfolds in a world where feelings are desiccated by the demands of survival and by submission to a rigid moral code. There is little space for lyricism or tenderness. Joyce suggests a society so pragmatic that it amputates every softness capable of easing existence. To many, this denial of the “superfluous” seems virtuous; yet cruelty seeps in, quietly, without conscious malice. “Araby,” the fair, shifts in meaning—becoming the Araby: distant, arid, unreachable. A mirage.

Illustration: partial photograph of a work by Jason Seife (Miami, 1989)

Title of the Work: Araby (from the collection Dubliners)
Author: James Joyce
Translator: Caetano W. Galindo
Publisher: Penguin / Companhia das Letras

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