Sophia de Mello Breyner Andresen (Porto, 1919 – Lisboa, 2004) foi umas das grandes poetisas portuguesas. Escreveu menos em prosa, mas também o fez com muito talento. “Contos Exemplares”, por exemplo, traz textos belíssimos. “O Homem” é um dos contos que o compõem.
Em “O Homem” a autora fala do sentimento de desamparo que todos os humanos podem experimentar em algum momento, para os que têm melhor sorte, quase sempre, para os mais desafortunados. Uma dor profunda. Enquanto há esperança implora-se auxílio aos vagos potenciais dispensadores da justeza esperada para a vida, como Deus.
Neste conto, o desamparo e o olhar para o que poderia estar acima dele está encarnado num bonito homem que carrega a filha angelical no colo, caminhando no meio de uma multidão. Esta não o vê a maior parte do tempo, só tenta socorrê-lo quando seu sofrimento se transforma num tipo de tragédia identificada como mal do qual brota concreto sangue e que o atira ao chão. A própria narradora, aparentemente a única entre milhares a notar o que se passa, deixa-se arrastar pela força que impele a maioria ao movimento automático, sendo afastada, integrando-se à corrente dos que estão cegos ao sofrimento daqueles que não são eles próprios.
Há velada alusão ao Novo Testamento. O Filho do Homem, Filho de Deus, também Deus, Jesus, anda por entre os homens comuns, filhos menores, os que pouco veem. Para os pequenos a penúrias não se cobrem de grandiosidade perante o mundo, só são imensas dentro de cada um deles. Por mais fiéis que sejam, dificilmente são tocados pela graça divina da ajuda. Prosseguem até caírem rendidos. Mas o Homem talvez continue a andar entre os que ainda estão no meio do percurso.
Ilustração: foto de parte do Tríptico do Rosário de Hans Suess von Kulmbach (nascido em Kulmbach, Francônia, cerca de 1480 e morreu em Nuremberg em 1552), museu Thyssen-Bornemisza, Madrid
Título da Obra: O HOMEM (parte de CONTOS EXEMPLARES)
Autora: SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN
Editora: ASSÍRIO & ALVIM (Portugal)
