NENHUM OLHAR

No interior de Portugal, possivelmente uma ladeia do Alentejo, personagens seguem a vida que lhes cabe. O clima é sempre tórrido como o pico infindável de um verão. As relações entre as pessoas remetem a aridez. Isolamentos insuperáveis, por mais que estejam em contiguidade. Não há comunhão. Com raras exceções, os vínculos interpessoais são ressequidos. Os casamentos não promovem intimidade. O sol intenso sufoca, queima, mas não clareia a realidade daquilo que o mundo é para os personagens e menos ainda a natureza do que eles são para si mesmos e para o mundo. Este é o contexto do romance “Nenhum Olhar” do português José Luís Peixoto (nascido em Galveias, 1974). Trata, com grande lirismo, de impossibilidades radicais que se impõem ao ser humano, aquelas que se entranham nas almas.

É um livro do início da carreira do brilhante escritor. Tem parentesco com o realismo fantástico, mas não seria bem definido usando-se esta designação para ele. Personagens e enredo ficam mais próximos de um relato onírico do que de descrições realistas. Todavia, falam sobre sentimentos e comportamentos bastante familiares nas vivências cotidianas de muitas pessoas e coletividades.

Muitas são as concepções sobre o que é a verdade, menos são as reflexões sobre sua importância para os seres humanos. Em “Nenhum Olhar”, José Luis Peixoto sugere que um homem se nutre e sobrevive com as certezas que adquire prontas ou que constitui. Não está em questão o quanto elas correspondem a verdades. As certezas construídas talvez o sejam através da aglutinação das dúvidas. Neste processo elas ganham nova aparência e funcionalidade.

É uma estória que aponta para uma certa escuridão, filha do caos nos campos da razão e dos afetos, como o estado natural do viver. Nela, os indivíduos padecem de tal inanição de sentidos para suas vidas que não há para onde dirigir o olhar, exceto para as necessidades e tarefas mais concretas. O olhar desviado disto perde-se num horizonte distantíssimo, talvez num deserto. Do porvir pouco se espera. Quase tudo imerge na imensidão do ininteligível. No entanto há que se prosseguir. Nasce-se, percorrem-se os anos e encontra-se a morte.

Não há olhar para subjetividades, nem para grandes esperanças. Não se cogita o novo. Miram-se as engrenagens que movem os dias e os destinos, como se eles correspondessem a condenações das quais não se escapa. Cumpre-se o viver abstendo-se de modificá-lo ou mesmo de refletir sobre ele. Não há procura de acuidades para o que se experimenta. Não se tecem fantasias que sirvam para criar alegrias. Para dentro das gentes ou para fora do espaço mínimo que é tomado como o mundo todo, nenhum olhar. No entanto há muita beleza no que o autor diz. Talvez retrate mais do que uma pequena aldeia e sua gente, falando de um ermo bem maior.

Título da Obra: NENHUM OLHAR

Autor: JOSÉ LUÍS PEIXOTO

Editora: DUBLINENSE

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