BARTLEBY, O ESCREVENTE

Os atos voluntários valem muito. São a afirmação de alguma autonomia diante da imensidão de ingerências do mundo, dos assaltos do acaso e outras formas de restrição ao poder de cada indivíduo. Afirmar a própria vontade e agir de acordo com ela pode equivaler a uma vitória diante da percepção da tanta impotência que é a regra nas escolhas pretendidas, sejam elas voltadas para a interioridade da pessoa ou dirigidas ao resto do universo em que ela existe. Em planos mais complexos há sempre muita incerteza quanto a autenticidade sobre a real autoria do que se deseja, do que se faz ou não se faz. São muitos os logros. Humanos são dados à ilusão, autoengano e “comportamento de manada”. Assumem como suas muitas motivações que lhes são impostas de fora, transplantadas. Assim, a volição e seus sucedâneos são sempre um desafio para a capacidade de entendimento e para a liberdade do homem.

“Bartleby, O Escrevente” é uma novela do estadunidense Herman Melville (Nova York, 1819-1891). Joia da literatura, escrita quando o autor já deixava de ter leitores, provavelmente em função do aumento exponencial na sofisticação do que escrevia. Ele, que morreu como um obscuro fiscal de alfândega, distante da carreira inicial. É mais conhecido pelo romance “Moby Dick”, obra que foi um marco em seu percurso como escritor, pela carga de significações requintadas possíveis para uma obra com aparência de aventura de consumo fácil.

O enredo desta novela tem como protagonistas um escrevente, Bartleby, e o proprietário do escritório onde se emprega, na Wall Street do século XIX. Além de seu empregador, havia mais três funcionários. Para todos sua identidade era um mistério, pois ele recusava-se a revelar qualquer dado biográfico. Manifestava um estranho negativismo. Recusava-se a atender qualquer solicitação que lhe fosse feita pelo patrão ou por seus colegas. Estes passaram a expressar hostilidade em relação a ele. Para o empregador o rapaz tornou-se um desafio de alma. O velho senhor ampliava cada vez mais o campo de possibilidades justificatórias para as recusas sistemáticas de seu funcionário. A obscuridade das razões para que Bartleby se comportasse desse modo implicou diversas conjecturas e contraditórios sentimentos. No final, prevaleceu o desejo de livrar-se dele sem deixá-lo desamparado. Ainda assim, Bartleby também rejeitou a tentativa de proteção.

O livro é marcado pela sutileza do tema, numa linguagem direta e clara. Com isto, acentua, quase ironicamente, que qualquer tipo de discurso sobre o mistério criado pelas atitudes do escrevente tem a marca da insuficiência. Como acontece em discursos sobre qualquer coisa. Melville descarta as estereotipias usuais para definir as relações de poder entre as gentes, especialmente entre empregadores e empregados. Lembra o quanto fica por dizer sobre a barafunda de motivações que põem em movimento as engrenagens das ações humanas. Um antídoto contra a simploriedade das explicações presumidas incautamente. Lembra o leitor da magnitude daquilo que é interpretação, devendo ser tomado como tal e não como certeza, na procura de saber sobre o mundo, que o inclui.

Título da Obra: BARTBLY, O ESCREVENTE

Autor: HERMAN MELVILLE

Tradutor: BRUNO GAMBAROTTO

Editora: GRUA

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