A IDENTIDADE

Identidade é uma palavra que pode ter sentidos muito diversos para cada pessoa ou nas variadas culturas. Uma das possiblidades é representar a denominação do conjunto de características que distinguem alguém ou coletividades. Aparentemente diferentes nestas duas acepções, são profundamente interdependentes. Milan Kundera () escreveu um pequeno romance com o título “A Identidade”. Nele sugere que os esforços para se esboçar e preservar uma identidade são impactados por forças provenientes da presença de terceiros. Estes funcionam como referências ou como atores num complexo e inescapável jogo, quase nunca lúdico. Sobreposições e mobilidade de fronteiras entre uns e outros são a norma e não a exceção.

O livro fala de um casal com relacionamento estável, Chantal e Jean-Marc. Nas interações conjugais e com o mundo que os cerca evidenciam-se as fragilidades identitárias de cada um. Não são exclusivamente determinadas pelas ações com que se afetam mutuamente. Suas histórias pregressas e aquelas criadas nos espaços externos ao casamento têm peso. A relação entre eles serve como palco em que atuam, interpretando papeis para afirmar os seres pelos quais se tomam, pouco palpáveis e provisórios, perdidos em suas profundezas. Circundam-se numa ciranda sem música que desvia o olhar que cada um poderia voltar para si mesmo. Não dominam estes movimentos. Perdem-se. Mudam sem escolher rumos, mesmo quando acham que os escolhem. São surpreendidos pela errância que faz girar o mundo. Estão juntos e, também por isto, ficam sujeitos à percepção da quase intransponível barreira de solidão que lhes cabe individualmente. Claudicam ao tentarem asseverar quem são. Tropeçam no trajeto em direção aos outros, que nunca estão no lugar imaginado.  

Transformações são imprevisíveis e transbordam os limites da racionalidade. Transfiguram-se as biografias singulares e as estruturas da história em que estão inseridas. As impermanências afligem. Retratos revelam-se falsos. Podem funcionar como instrumentos de troca, mas sua rápida degradação rouba-lhes outras funções. Zela-se pela esperança de se ver e enxergar o mundo como objetos reais, descritíveis. E pode ser intolerável descobrir que não o são.

O amadurecimento (que não coincide com sapiência) determina grande parte das metamorfoses. Aspectos ancorados em necessidades básicas e nos acontecimentos dramáticos podem ser propulsores nestes processos. Curiosamente, as banalidades também. Todos podem ver alteradas drasticamente suas identidades e os sentidos do entorno. Há dissoluções e intenções de reconstrução. Mas incertas são as verdadeiras renovações. Perdem-se propósitos que se criam irrevogáveis. Deixam um vazio. Substituições nem sempre são eficazes. As convicções desbotam ou desaparecem. Pensamentos e sentimentos contorcem-se em aflição.

O onirismo, num certo sentido para a palavra, parece amalgamar-se à realidade. E este amálgama, pouco permeável à definitividade da razão, é possivelmente o verdadeiro habitat humano.

Título da Obra: A IDENTIDADE

Autor: MILAN KUNDERA

Tradutora: TERESA BULHÕES DE CARVALHO DA FONSECA

Editora: COMPANHIA DAS LETRAS

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