Imigrantes vindos da Europa, Oriente Médio e Ásia para trabalhar e refazer suas vidas no Brasil foram (e continuam sendo) muito importantes na formação do País. Suas identidades originárias impregnaram-se das características dos brasileiros nativos e também os penetraram profundamente, transformando-os. Geralmente eles desejavam integração na sociedade local. Contudo, a memória do que viveram antes foi mantida em suas almas. Não podiam apagar a saudade do que deixaram. Para alguns mantiveram-se abertas as chagas das circunstâncias da emigração, mesmo que só fossem vistas na intimidade. Muitos preferiram enterrar desgraças, não mais falar delas, ao adentrarem o futuro, que deveria ser melhor.
“A Imensidão Íntima dos Carneiros” de Marcelo Maluf (Santa Bárbara D’Oeste, São Paulo) é um romance-homenagem a seus antepassados libaneses que vieram para o Brasil, estabelecendo-se em Santa Bárbara D’Oeste, no interior de São Paulo. Ele recria a história do avô que não conheceu, Assaad. Este tinha sido pastor de carneiros no Líbano e no Brasil tornou-se mascate. O autor utiliza fragmentos do que ouviu de seus familiares e o restante ele imagina ou constrói como memórias líricas, sem compromisso com a precisão realista. A família era cristã e teve vários membros assassinados por soldados turcos muçulmanos na casa em que vivam, o que foi determinante na vinda do avô. Maluf fala sobre a dor e o medo que enxergou no olhar de seus parentes. O que identificou neles talvez também existisse em grande parte de outros imigrantes, de diversas procedências. Sofrimento causado pelo que experimentaram antes e pelo que viveram depois. Os que são imigrantes são estrangeiros, forasteiros, eventualmente tomados como ameaçadores em seus novos mundos. Foram emigrantes de sítios que consideravam seus e que amavam, mas nos quais não se sentiam amados ou minimamente abrigados. A inospitalidade que os fez partir poderia ter origens diversas: na miséria, na opressão social, nas guerras e outras formas de violência com que os seres humanos atacam e destroem uns aos outros. Algumas vezes a ideia de se reinventarem e terem em lugares distantes aquilo que lhes era inalcançável onde nasceram contava como propulsor essencial para a grande mudança. Nutriam-se de esperança, de força de vontade e capacidade de investimento no trabalho, de resistência diante das dificuldades e da persistência. Pagaram preços altíssimos usando como capital o que lhes pertencia por estar dentro deles.
Os carneiros representam muito neste pequeno romance. Lembram o pastoreio como ocupação tradicional na família. Eles dão a carne que alimenta e a lã que aquece. Para além disso, aparecem como seres que encarnam sentimentos do homem, eventualmente seus vicários. Traduzem a docilidade e um modo de expressar dor. Também os ressentimentos. E humildade diante dos infortúnios de que não podem escapar, quase submissão. Imergem no coração dos humanos e, em certas situações, confundem-se com eles.
Título da Obra: A IMENSIDÃO ÍNTIMA DOS CARNEIROS
Autor: MARCELO MALUF
Editora: FARIA E SILVA (Rio de Janeiro)
