A MADONA DO FUTURO

“A Madona do Futuro” é um longo conto de Henry James (Nova York, 1843 – Londres, 1916) que, com o refinamento característico do autor, abarca temas desdobráveis em outros, conforme o interesse e aplicação para refletir por parte do leitor.

O protagonista, Theobald, é um homem que se apresenta como pintor e, embora sendo estadunidense, reside há muitos anos em Florença. Esteta, admira apaixonadamente os grandes artistas da Renascença e passeia pela cidade em êxtase diante das obras que pode apreciar por longo tempo e repetidamente. Sua maior referência de excelência artística é a “Madona da Cadeira” de Rafael. É conhecido dentro de um círculo de estrangeiros aficionados por arte. Eles supõem que seu único projeto seja criar mais uma representação da Virgem, mas perfeita. Talvez uma síntese de todas as madonas renascentistas. Ninguém nunca viu o que ele estaria efetivamente pintando para alcançar esta meta.

Theobald tem uma inspiradora chamada Serafina. O narrador da estória, seu conterrâneo, numa estada em Florença passa a ver o pintor com frequência e estabelece contato com alguns de seus conhecidos, incluindo a musa. Acaba pondo em xeque e atingindo profundamente o personagem com suas observações. Ao conhecer a mulher que seria seu modelo vê nela uma figura comum e já com marcas do desgaste que a vida tende a acarretar. Ao manifestar sua opinião a Theobald choca-o. Posteriormente, tendo acesso a seus aposentos constata que a tela destinada a abrigar a grande madona está totalmente em branco e já deteriorada pelo tempo.

A partir daí protagonista e narrador debruçam-se sobre questões que dizem respeito à criação, pensando mais especificamente em arte, mas também no desafio que é a realização de um projeto, a transformação de um ideal em realidade. Entram em pauta a imprescindibilidade da atitude e do trabalho concreto, que, apesar de poder resultarem no sublime, não presumem necessariamente que isto se dê. O pintar representa o esforço imprescindível para a execução do trabalho. Nisto reside o risco do fracasso, da frustração. Todavia, sem a entrega à ação nada haverá que possa ir além das fronteiras mentais do idealizador. Sonhar, imaginar, conceber teoricamente não garantem a geração de fatos. Há um jogo perigoso entre idealização e realidade. Neste bojo, a idealização pode ser uma forma de alienação, elemento exclusivo de um universo teórico ou fantasiado, estéril para além disto.

O conto toca em diferentes dimensões dos significados de “belo”. Sua acepção relativa ao que se dá no campo dos sentidos, à perfeição sensível e menos objetiva na representação pode dar lugar ao conceito de belo como refutação da ilusão e descarte do que é falacioso. Já aqui passaria a equivaler à exposição do que é verdadeiro.

Há no conto uma alusão aos enganos humanos, intencionais ou involuntários, frutos de pretensão descomedida ou de inépcia, que revelam a distância entre idealização e realidade, implicando danos importantes. Muitas vezes irreversíveis.

Título da Obra: A MADONA DO FUTURO (parte de VIDA DE ARTISTA)

Autor: HENRY JAMES

Tradutor: CLAUDIO FIGUEIREDO

Editora: JOSÉ OLYMPIO

APÊNDICE

O “Belo” em um verbete de Nicola Abbagnano (Dicionário de Filosofia) comporta cinco conceitos, sintetizados como: manifestação do Bem, manifestação do verdadeiro, simetria, perfeição sensível e perfeição expressiva. Diferentes pensadores e correntes filosóficas estiveram envolvidos nestas conceituações. Platão associou o Belo ao Bem. Georg W. F. Hegel considerou o Belo como “aparição sensível da ideia”, onde beleza e verdade se equivalem. Aristóteles propôs o Belo como simetria, ideia incorporada à doutrina dos Estoicos, algo também próximo de Cícero, que usa a noção de harmonia das feições bem proporcionadas num corpo ou, na alma, a uniformidade e coerência de opiniões e juízos. Alexander G. Baumgarten, David Hume e Edmund Burke, em maior ou menor grau, uniram-se na visão de que o Belo está na representação sensível perfeita e no prazer que acompanha a atividade sensível. Benedetto Croce afirma: “Parece-nos lícito e oportuno definir a beleza como a expressão bem-sucedida, ou melhor, como expressão pura e simples, pois a expressão, quando não é bem-sucedida, não é expressão” (citação contida em sua obra “Estética”). A noção manifestada por Croce seria passível de adoção em qualquer teoria da arte como expressão, segundo Abbagnano. Navega em várias destas noções a ideia de que a beleza está de algum modo atrelada à ideia de verdade (o que em algumas correntes poderia, sem contradição real, incluir a expressão da feiura); uma dimensão da verdade que se não se produziria necessariamente através do do pensamento científico.

Na ilustração foto de pintura do artista plástico estadunidense George Condo (EUA, 1957)   

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