O MEÇAS

Os humanos parecem desenvolver com relativa facilidade talentos para os jogos de opressor e oprimido. Isto é algo que se destaca na barafunda que caracteriza os indivíduos, desde suas profundezas dificilmente escrutáveis até suas ações à luz de outros olhares. O romance “O Meças” do português José Rentes de Carvalho (Vila Nova de Gaia, 1930), trata desse aspecto complexo, de amplo espectro e nada benigno, que tão frequentemente ocasiona grandes infelicidades no viver, tanto em âmbito privado quanto na coletividade.

“O Meças” tem como personagem principal um homem notável pela má-índole. Capaz de atos de violência e incapacitado para dar e receber amor. Mostra-se um ser mesquinho, gerado pelos atos de abuso sexual de seu pai contra sua mãe e marcado pelo ódio que sempre nutriu pelo mundo. Emigrou para a Alemanha, onde trabalhou e juntou dinheiro, depois de abandonar esposa e filho em Portugal. Como “retornado”, passados muitos anos, passa a viver com o filho e a nora em condições em que, em graus variados, as deformidades do caráter manifestam-se entre os três. O romance é narrado em partes distintas, na terceira pessoa e depois na primeira, quando outro personagem aparece para amarrar o enredo e tornar mais claro o que é possível clarificar. Entre os fragmentos através dos quais a estória é construída restam espaços vazios de explicação. A leitura leva à tensão provocada por um “thriller”, mas isto é somente instrumento para que o autor aborde a tensão aterrorizante que pode ser experimentada na convivência entre humanos, desde as famílias até os meios sociais mais amplos.

José Rentes de Carvalho exilou-se por razões políticas e viveu grande parte do tempo no Brasil e na Holanda. Além das atividades como jornalista, tornou-se professor universitário e mais tarde passou a dedicar-se exclusivamente a escrever. Compreender sua origem, a natureza dos vínculos com sua pátria e o que, nisso tudo, era inerente aos humanos de qualquer geografia, passou a ser mote em sua obra.

Há alguma correspondência entre o modo de entender o que se passou em Portugal (ao menos durante parte de sua vida) e de compreender as relações entre as pessoas que são próximas, havendo ou não interação pessoal. Causam-lhe impressão o autoritarismo e a crueldade, que encara mais como regra do que exceção; talvez uma maneira de identificar características mais ou menos universais das pessoas, quando vistas de perto. Frestas por onde revela-se sua brutalidade potencial, em múltiplos formatos. Poderia representar uma reação de temor covarde à obscuridade sobre o que são e o que devem fazer em suas vidas. Entre suas manifestações estaria o modo de pensar autocentrado, inconsequente, injusto e impermeável a qualquer crítica, implicando uma arrogância maligna e patética simultaneamente.

No final do livro, entre suas “anotações” enquanto o escrevia, ele cita: “Os países e os indivíduos sofrem do mesmo, mas, como são maiores, nos países nota-se mais e aflige mais.”

Título da Obra: O MEÇAS

Autor: JOSÉ RENTES DE CARVALHO

Editora: QUETZAL (Portugal)

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