EM TEU VENTRE

José Luís Peixoto (Galveias, Portugal, 1974) é um dos mais brilhantes escritores contemporâneos em língua portuguesa. Por muitas razões. Faz das palavras algo como notas musicais que em conjunto compõem peças para fazer cantarem as almas de seus leitores. E seu talento não se restringe à estética formal. Ele é capaz de tocar em temas substanciais em contextos diversos. Ao falar deles penetra espaços familiares a quase todos os humanos. Promove um tipo de comunhão para os que vêm sentido em comungar assim.

Na novela “Em Teu Ventre” José Luís Peixoto adota um tema caro aos portugueses: a aparição da Virgem Maria para três crianças. Sobre uma azinheira nos arredores da casa de uma das meninas a santa mulher reapareceria algumas vezes, no dia treze de alguns meses consecutivos de 1917. Logo desenvolveu-se um amplo fenômeno religioso em torno daquela que passou a ser chamada de Nossa Senhora de Fátima, um icônico emblema do catolicismo português. Não se trata de um enredo linear contando o que poderiam ter sido fatos e nem de sua interpretação como mito ou lenda. Assim, não é um texto destinado a fazer História e nem alimentar crenças. O autor ocupa-se de algo distinto. Debruça-se sobre cenas que fazem transparecer aspectos da vida de pessoas marcadas pela carência material, lutando pela sobrevivência e buscando esperanças. Numa aldeia portuguesa no início do século XX, elas vivem como personagens desta novela e revelam em seus cotidianos aquilo que afeta tanta gente, em diferentes lugares e tempos. Algo que transcende a dureza objetiva de sua sobrevivência. O que importa neste livro são os sentimentos brotando da percepção da fragilidade humana diante do que a vida exige de cada um. Há muita obscuridade e incerteza. Temores que vêm de dentro do ser e agruras que os assaltam de fora. E sempre o temor da falência que ronda, a desesperança que se procura combater, a busca de coragem para não sucumbir às dificuldades, a insistência em acreditar que algo melhor está por vir. É preciso iluminar o futuro com a luz que só pode ser crível a partir do divino. A chama dos candeeiros terrenos mostra-se débil demais.  Nisto residem verdades que nascem na realidade, mas ultrapassam-na, rumando para o céu, onde estão os santos e Deus.

Lúcia, uma menina de dez anos e seus dois primos, Jacinta e Francisco estiveram no centro do episódio da aparição de Nossa Senhora, Maria, filha e mãe de Deus. As crianças quase não têm voz na novela, como é possível que tenha ocorrido às pessoas que elas eram naquele momento. O enredo é construído pelo que deriva da crença em suas visões, entre os meses de maio e outubro de 1917. A mãe terrena de Lúcia também é Maria, assim como são as mulheres que acorrem à aldeia em busca de soluções milagrosas para seus problemas ou mesmo para a satisfação de necessidades comezinhas numa possível relação de intimidade com o divino. A família das crianças é atropelada por um sucedâneo da religiosidade de todos, dos próximos e dos distantes. Espera-se uma nova anunciação. Que seja dito o que deve ser feito. Em turbilhão, teares terrenos trabalham sem descanso para tecer o manto celeste que cobre a Virgem e abriga todos os que lhe conferem verdade. Como no ventre de cada mulher é criado um universo a cada gestação, também se gestam esperanças infindáveis num ventre comunitário, fomenta-se a fé e suas infinitas possibilidades. E a fé torna-se forte como os rochedos nos milagres de revelação, como o da aparição da mãe de Jesus, tão próxima do homem, ligando-o a Deus, como a promessa da igreja católica quanto ao como deve ser vista pelos fiéis. A escuridão do que se ignora mescla-se ao clarão mais brilhante do que o sol e que, se não ilumina a terra onde efetivamente se pisa, alimenta o futuro em que se pisará. Futuro alojado na confirmação da existência celestial dos que zelam pelos que aqui ainda estão.

Título da Obra: EM TEU VENTRE

Autor: JOSÉ LUÍS PEIXOTO

Editora: QUETZAL (PORTUGAL)  

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