TEORIA GERAL DO ESQUECIMENTO

Há muitos tipos de esquecimento. Transitórios ou permanentes. Nem todos decorrem da perda da memória nos processos biológicos praticamente inevitáveis. Esquece-se também o que se deslembra, por mais penoso que seja o processo e dispendioso o esforço para isto. Às vezes esquecer é equivalente ao entorpecimento. Em certos casos, deixar de rememorar, desconhecer o que se passou serve para o alívio de culpas intoleráveis ou simplesmente para escamotear aspectos inconvenientes das biografias e da História. Propósitos que deram partida a ações, adesões a ideais e filiações gritantes podem perder-se pelo caminho e apagam-se como se nunca tivessem existido.

“Teoria Geral do Esquecimento” é um romance do angolano José Eduardo Agualusa (Huambo, 1960) que recebeu alguns prêmios e foi finalista do prestigioso Booker Prize em 2016. Conta estórias de gente que viveu as conturbações dos anos finais da revolução de independência de Angola, na década de 1970. No centro do livro está o que se passa com uma mulher chamada Ludo, imigrante em Angola por força das circunstâncias, tendo deixado Aveiro e passando a viver em Luanda com sua irmã e cunhado. Quando estes desaparecem, assassinados durante as turbulências revolucionárias, ela, já marcada anteriormente por fobias importantes e apavorada com os acontecimentos em curso, empareda-se no apartamento onde viviam os três. Lá permanece isolada por mais de trinta anos. Cultiva o que come em canteiros no terraço, furta galinhas de vizinhos para ter seus ovos e caça bichos que aparecem. Embora seja uma construção ficcional, baseia-se numa história verídica. Juntamente, outras tramas são desenvolvidas e cruzam-se em algum momento da narrativa. O esquecimento em suas diversas modalidades segue o estatuto de personagem. Em alguns casos amputa fatos que são contundentes demais para serem mantidos nos cotidianos dos que não podem com eles.

Agualusa fala com lirismo daquilo que sucede aos humanos sem que eles necessariamente tenham deliberado e escolhido. Todavia, tendo eles se envolvido através de crenças e atos ou até por acaso, ficam obrigados a arcar com a responsabilidade e as consequências inerentes. O autor também lança mão, com sutileza, da dimensão trágica nos descaminhos, nos erros impensados durante efervescências de intenções heroicas, forças motrizes num primeiro momento em que se lançam postulações de ordem e antevisões de futuro por parte de pessoas e grupos. Passado certo tempo, com os desconcertos impostos pela realidade, o esquecimento pode transformar-se em ferramenta de sobrevivência. Angola, assim como outros países da África colonizados pelos europeus, teve que lutar por uma identidade própria para não prosseguir esquecida de si mesma, como um apêndice de um Portugal, que a maioria dos angolanos não sabiam exatamente o que era ou onde estava. As dificuldades passaram a não se restringir aos problemas impostos pelo colonialismo, pois a diversidade de identidades e propósitos entre os povos originários, as contradições nas relações com os colonizadores (que a certa altura já tinham deixado de ser somente isto ou já não eram nada disto), as incertezas sobre motivos para lutar que transcendessem a expulsão dos exploradores e estrangeiros, as recombinações de alianças e estabelecimento de novas disputas, entre outras causas, criaram uma barafunda que a todos confundiu, desorientou e amedrontou. Teorizações radicais derretiam frente à complexidade dos fatos, o que incluía as suscetibilidades tão humanas e universais que minam determinações de aparência férrea. Muito do que fundamentou vidas perdeu-se no esquecimento.

Ludo, involuntariamente, integra e representa um coletivo que sobrevive como consegue, através de percursos díspares, percepções de mundo forasteiras em meio às de outros, sem projetos claramente definidos a não ser o mais primordial: a manutenção da vida.

A prosa de José Eduardo Agualusa é parente da poesia. E deliciosa de ler.

Título da Obra: TEORIA GERAL DO ESQUECIMENTO

Autor: JOSÉ EDUARDO AGUALUSA

Editora: QUETZAL (Portugal)  

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