Philip Roth (Newark, 1933 – Nova York, 2018) foi um bom escritor desde seu primeiro livro. Mas houve um ponto de virada em sua carreira a partir do qual ele tornou-se excepcional. O maior refinamento do olhar e do estilo é notável de “Patrimônio” em diante, desde quando escreveu alguns dos melhores livros da ficção contemporânea. “Patrimônio” não é propriamente uma obra ficcional. Trata-se do relato de sua relação com o pai, já idoso, desde quando este foi diagnosticado com um tumor cerebral até sua morte. Roth, que sempre foi verdadeiro no que produziu, mostrou neste livro a pregnância do afeto naquilo que passou a observar no pai e em si mesmo. Teve um tipo de cuidado que faz parte de sua assinatura e guardou grande distância do sentimentalismo. Todavia, quem o lê pode sentir profundamente o que diz. Irmana-se com ele na fragilidade e na força. O autor nasceu numa família judia proveniente do leste europeu e que se instalou nos Estados Unidos na virada do século XIX para o XX. Roth sempre dirigiu o olhar para o universal, para além de sua herança cultural. Contudo, não deixava de considerar e valorizar as possíveis peculiaridades do que é ser judeu, mesmo não sendo um homem religioso. Travou lutas com seus próximos e consigo mesmo para não ficar circunscrito às especificidades da cultura Iídiche, mas nunca deixou de bendizer o mundo que o gerou. Evidenciou o que pode ser chamado de riqueza de espírito. Em sua perda parental, sentida, não há dramaticidade e nem tragédia. Há um terno avivamento do vínculo filial. Foi mais filho daquele pai, de uma cadeia de ancestrais, do judaísmo, daqueles que imigram e que aprendem a reconstruir o que perdem e que renovam-se. Ao reproduzir neste belo livro o que experimentou durante a doença e a perda do pai ele parece ter alcançado um grau de liberdade afetiva e intelectual difícil para a maioria das pessoas. Capacitou-se para transitar pela vida com movimentos mais amplos. Afastou temores. Ficou mais potente e mais francamente amoroso. Uma inspiração para seu leitor. Uma oportunidade de testemunhar um modo de realização e corporificação da dignidade humana.
Título da Obra: PATRIMÔNIO
Autor: PHILIP ROTH
Tradutor: JORIO DAUSTER
Editora: COMPANHIA DAS LETRAS

Resenha brilhantemente escrita.
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Obrigado Nilceia
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A maior dificuldade, agora, será encontrar na obra de Roth o mesmo brilho, agudez de percepção e brilho que encontro na resenha. Duvido, mas vou tentar.
E o seu próprio livro, Dr. Justo, para quando devemos esperá-lo?
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Obrigado pelo gentil comentário querida Renata. Adoraria escrever um livro, mas ainda estou reunindo forças e coragem
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Luís, reúna-as logo. Acho, aliás, que você já as tem.
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Errata (rs): onde se lê o segundo “brilho”, leia-se “riqueza narrativa”.
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Luís, depois de ler sua resenha tirei meu “Patrimônio” da estante, está lá: abril de 2012. Sinto que é hora de relê-lo. Beijo, Anaelena.
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Obrigado pelo comentário Anaelena. Beijo
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