O FUZIL DE CAÇA

Relações amorosas têm múltiplos significados para os envolvidos. Tanto tratando-se de protagonistas como de coadjuvantes.

O pequeno romance epistolar “O Fuzil de Caça” de Yasushi Inoue (Japão, 1907-1991) trata da diversidade de sentidos de um amor adúltero. Três cartas principais e uma quarta, acessória, dão voz aos personagens: um homem, sua esposa, a amante (prima da esposa) e a filha desta. Em seus discursos, o enganar, a si mesmo ou ao outro, revela-se mais complexo do que se designa como trair. Enganos, produzidos pela intenção de alguém ou involuntariamente, tornam-se parte quase inevitável das realidades. Alojam-se no cerne das relações entre pessoas. Geram amores e ódios, viabilizam crenças e dissolvem as evidências. Não raramente dão norte ao viver.

No contexto do livro a noção de fidelidade aparece como algo deslocado em relação ao que o senso comum tende a presumir (especialmente o moldado por culturas ocidentais). Também há destaque na percepção de que buscar pode importar mais do que obter, como quase sempre acontece quando se faz uma caçada. Um magnífico fuzil costuma sugerir poder que excede as funções pragmáticas da arma.  Relevante é o fato de que uma caçada leva potencialmente à morte da caça e que a relação desta com o caçador implica posições desiguais. Ao morrer, a caça deixa representações em seu rastro, transmuta-se. Perturba, quando a reflexão sobre o ato praticado transcende sua concretude, desfazendo um certo tipo de engano.

Com refinamento tipicamente japonês, Inoue dispõe coisas ditas, outras sugeridas e espaços vazios de modo a criar profundidade na trama, excluindo o que é óbvio e vulgar. A apreciação de elementos da natureza, dos objetos cotidianos, vistos e usados como delicadas obras da arte do mundo que é fabricado no viver e das interações humanas constituem uma estética, que funciona como linguagem para comunicar algo essencial. Talvez nisto resida o charme do romance, pois os sentimentos descritos e as ações dos personagens têm importante dimensão plástica, fundamental no processo de significação do que se faz ou do que se deixa de fazer. O texto de Inoue tem parentesco com os origâmis que comportam várias possibilidades de dobraduras, permitindo montagens de diferentes figuras a partir de um mesmo pedaço de papel.

Título da Obra: O FUZIL DE CAÇA

Autor: YASUSHI INOUE

Tradutor: JEFFERSON JOSÉ TEIXEIRA

Editora: ESTAÇÃO LIBERDADE

FUZIL

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