MONTAIGNE

Stefan Zweig (Viena, 1881 – Petrópolis, 1942) parece ter buscado compreender a si mesmo e aos outros seres humanos para tentar descobrir mais justas e melhores maneiras de viver. Expressou afinidades com muitos outros que, em seu modo de ver, teriam feito o mesmo. Produziu extensa obra literária e nela escreveu sobre seus irmãos nestas intenções. Um dos que mais admirava era Michel de Montaigne (Castelo de Montaigne (França), 1533-1592). Escreveu um ensaio biográfico sobre este pensador e compôs um perfil de homem que, sob sua ótica, não teve a arrogância de produzir ou descobrir verdades únicas e indiscutíveis. Montaigne parece ter desprezado todos os que afirmavam estar em poder delas. Buscou a liberdade através do autoconhecimento e da afirmação da própria singularidade. Esse foi um ponto de partida para refletir sobre a relação do indivíduo com a sociedade e aquilo que o caracteriza como um ser humano. Foi o herdeiro de um título nobiliárquico e de muitos bens, em uma família de recente inclusão na nobreza e que tinha feito fortuna com comércio na região de Bordéus, França. Filho da miscigenação entre cristãos e judeus, conheceu de perto as questões de diversidade; foi educado para ser homem culto e dotado de autonomia para pensar. Atuou como magistrado e político durante curto período e, acreditando não ter força suficiente para superar a estupidez e violência que via na sociedade de seu tempo, isolou-se numa torre de seu castelo no intuito de ler, pensar, e tentar enxergar o que o constituía mais profundamente e o movia no mundo. Foi contemporâneo das guerras religiosas na Europa e da noite de São Bartolomeu (em que milhares de protestantes foram assassinados por católicos, em 23/24 de Agosto de 1572, dando início a um conflito de extrema violência que durou vários meses); percebeu a magnitude da propensão para a barbárie nos seres humanos. Absteve-se de manifestações sobre aquilo que considerava superar sua capacidade compreensão e passou ao largo de muitos temas em pauta no seu tempo de vida. Se não houve declaração de arrependimento propriamente dito pela isenção ou silêncio em relação a assuntos específicos, ao menos considerou um erro que, como ele tinha feito, alguém pudesse crer que abster-se de participação seria melhor do que arriscar-se a errar. Montaigne viu índios brasileiros levados para a França e encantou-se com o que julgou modos primitivos e autênticos de relação do homem com a Natureza e de convivência interpessoal. Disse não se chocar excessivamente sobre comportamentos deles, inclusive o anunciado canibalismo. Comparou as ações dos “selvagens” com as dos líderes religiosos católicos e protestantes, que torturavam e matavam pessoas por terem crenças distintas ou por serem tomadas como bruxas ou demônios e proclamou horror muito maior em relação aos doutos e “civilizados” que permitiam-se tais atos. Todavia, acabou por bendizer a vida como um todo em que seriam inevitáveis a brutalidade, as contradições e iniquidades, considerando ilusão a crença de que isso já tivesse sido diferente em essência em algum momento do passado ou que pudesse vir a ser “corrigido” no futuro. Escreveu os “Ensaios”, textos independentes entre si, em que abordou temas variados. Desejou ser tomado por um homem comum que se expressava sobre algo, sem que o vissem como um sábio incontestável. Não pretendeu ensinar verdades definitivas a ninguém. Pareceu valorizar o estímulo à reflexão crítica, mesmo que isso derivasse de opiniões aparentemente bem fundamentadas. Celebrou a constante transformação que atesta o viver. E, como Stefan Zweig, tornou-se parceiro dos que desejam ter olhos tanto para o que é singular como para o que é plural. Sem pretender completudes ou perfeições.

Título da Obra: MONTAIGNE

Autor: STEFAN ZWEIG

Tradutoras: MARIA ELZA NEVES E MARIA JOSÉ DINIZ

Editora: ASSÍRIO & ALVIM (PORTO EDITORA)

Montaigne

2 comentários

  1. Luís, adorei esta sua resenha. Gosto de Stefan Sweig e sou uma leitora assídua de Montaigne. Tenho os “Ensaios” na minha mesa de cabeceira e, vira e mexe, recorro a eles. São maravilhosos e nos dão a medida da vida, da morte, da angústia, da amizade, do poder, de tudo, enfim. Ao lado de Sêneca, Montaigne é quase um Reconter. (rs) Não sabia desse livro do Sweig sobre ele, mas vi que a edição é portuguesa, fica difícil encontrá-lo. Obrigada pelo post, viu? Beijo daqui de Tiradentes.

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    1. Muito obrigado por comentar querida Anaelena. Também para Zweig creio que Mantaigne foi mais ou menos um reconter. Ele chama-o de amigo e companheiro em algumas partes do ensaio. Espero que você esteja gostando de Tiradentes.
      Um beijo

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