AQUELE QUE É DIGNO DE SER AMADO

Há muitos tipos de exílio. Os desdobramentos de cada exílio também são plurais. Algo possivelmente comum às diferentes formas de banimento são o desconforto de ser alguém “de fora”, o medo da rejeição, o atrofiamento do que se é pela ocultação ou anulação de aspectos da personalidade, do comportamento espontâneo, da cultura, a desqualificação, tanto de origem externa como interna, citando alguns dos possíveis danos. E, vale não omitir, o ressentimento que prende e escraviza. Há pessoas que são conduzidas ao exílio simplesmente por terem alguma característica irracionalmente condenada pelos grupos sociais em que vivem (às vezes até por si mesmas), sendo ou não forçadas a abandonar o mundo de onde provêm.

O marroquino Abdellah Taïa (Salé, 1973) fala sobre isto em seus livros e filmes. Abertamente homossexual num país que pune com prisão, humilhação e exclusão os que são denunciados ou flagrados em relacionamento amoroso/sexual com pessoas do mesmo sexo, homens ou mulheres, ficou profundamente marcado pelo sofrimento inerente à intolerância. Para escapar do aniquilamento perdeu um universo. Custou a contabilizar e compreender a extensão das privações que adviriam disto. Esforça-se parece ter transformado seu sofrimento como exilado em produção artístico-literária. Hoje reside na França e lá ainda sente que é irrevogavelmente estrangeiro, apesar do País ser um dos mais acolhedores para os desterrados que andam pelo mundo. Na França trabalha. Difícil definir tal destino como um desfecho benigno ou carente desta qualidade. Esta qualificação depende de tão complexas variáveis que produções de discursos sobre o tema tendem a converterem-se em armadilhas ideológicas e morais.

No pequeno romance “Aquele Que É Digno De Ser Amado” Taïa descreve, através de quatro cartas dispostas em regressão cronológica, a trajetória dolorosa de um homem que por ser homossexual acaba desterrando-se e reduzindo demasiadamente as dimensões de possibilidades equivalentes a esperanças. Talvez isto tenha derivado do imprescindível intuito de garantir um lugar onde coubesse. O personagem vai compreendendo que ele, como qualquer pessoa, não se resume à orientação sexual. Todavia, é vitimado pela pressão para resumir-se a isto. Ilude-se, buscando caminhos que não o podem levar à abertura por onde poderia respirar a liberdade de afirmar sua identidade, tão mais ampla. O autor faz aquele que o lê migrar da impressão de estar diante de alguém um tanto maçante, reverberador de lamúrias estéreis, para o reconhecimento de um indivíduo complexo, cujo discurso justifica-se em sua história e em muitas outras histórias afetadas por lesões profundas, que ganham transparência para aqueles que conseguem superar preconceitos. Um homem com feridas que ao invés de cicatrizarem evoluem penetrando em tudo o que parece solução regeneradora. É trágico (também) naquilo que não é intuitivo.

A voz de Taïa não tem nada de débil nem de piegas. É verdadeira, tocante e fala de quem é digno. Inclusive de ser amado.

Título da Obra: AQUELE QUE É DIGNO DE SER AMADO

Autor: ABDELLAH TAÏA

Tradutor: PAULO WERNECK

Editora: NÓS

abdellah 1

4 comentários

  1. Oi. Como vai? Poderia dar uma opinião sobre: Por qual motivo Samuel Beckett é tão pouco citado nos meios culturais? Será que é muito cedo para ele?

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    1. Acho um escritor e dramaturgo genial. Todavia, a leitura de seus livros ou a compreensão dos textos dramáticos exigem algum empenho do receptor, talvez mesmo alguma familiaridade com literatura e um universo cultural mais afeito ao que não se dá muito obviamente. Fiz um comentário neste blog sobre “O Expulso”. Convido-a a dar uma olhada .
      Muito obrigado por comentar

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