CLARICE,

Mesmo para quem não é amante de biografias, esta encanta. “Clarice,” de Benjamin Moser (Houston, EUA, 1976), conta a vida da mulher e de sua magnífica obra literária. Clarice Lispector (Chechelnyk, Ucrânia, 1920-Rio de Janeiro, 1977) nunca foi uma pessoa comum. Tampouco foi uma escritora como outras. Olhou para a vida mirando seus mistérios. Rondava-os até se tornar íntima deles. E transformava-os em matéria de trabalho. Podia descrever o que não se vê, mas lá está. Clarice sempre atentou para os frágeis esteios e a transitoriedade de sentidos dos saberes e atos dos seres humanos. Manifestou perplexidade onde outros ofereceram explicações inconsistentes. Ela constatou , testemunhou, mas evitou interpretações. Sabia que não se pode verdadeiramente decifrar o mundo. Nunca se furtou ao espanto, ao desconcerto, ao estranhamento de si mesma. Veiculou o novo. Voluntária e involuntariamente.  Acolheu o imprevisível eterno, que se impõe à vontade e ao planejamento do viver. Foi sempre em frente, no embevecimento e no terror. Emitiu belíssimos dizeres sobre seus caminhos e não caminhos. O cotidiano, de aparência banal, foi muitas vezes a porta de entrada para tocar a imensa complexidade de ser mulher, de ser humana e de estar viva. Registrou a dor e o gozo da consciência. Moser mostra muita sensibilidade ao analisar o trabalho da escritora em cada um de seus livros. Torna visível a consonância do que ela escreveu com sua história pessoal, aproximando o leitor do fascínio dela pelos enigmas quase materialmente experimentados. Moser é íntimo de Clarice. Capta muito do que ela foi e do que é sua obra. Esta, destinada a seguir se desenvolvendo através dos leitores. O biógrafo não deixa de notar a comunhão da perturbadora inteligência da escritora com o pensamento de Spinoza, talvez anterior ao momento em que ela passou a se debruçar sobre a filosofia dele para amalgama-la ao que escreveu. Ele acentua um aspecto fundamental na visão de mundo de Clarice: o poder de um  Deus (spinoziano), que expressa S(s)ua suficiênica naquilo que É porque Existe. E só por isso. Uma ontologia nada mística, por mais que sob alguns ângulos possa parecer. Com a grande beleza, assombro e eventual angústia com que isso impacta as mentes capazes de se inquietarem.
Título da Obra: CLARICE,
Autor: BENJAMIN MOSER
Tradução: JOSÉ GERALDO COUTO
Editora: COMPANHIA DAS LETRAS

2 comentários

Deixe um comentário