MEMÓRIAS DE UM CASAMENTO

A “classe alta” americana compõe-se basicamente por dois tipos de pessoas: aquelas que se tornaram ricas devido ao próprio trabalho, sem tradição e que não se apoiam na origem para obter prestígio social, denominadas as do “dinheiro novo”, e as que prezam e utilizam antes de tudo sua linhagem antiga na América e alegam algum modo de participação na independência em relação à Inglaterra, geralmente herdeiros de fortunas, são os do “dinheiro velho”. Neste último grupo foi sendo forjada a fantasia de pertencimento ao “sangue azul” europeu, do qual estavam distantes quando imigraram para o Novo Mundo.
O escritor Louis Begley, nascido na Polônia em 1933 e naturalizado americano, quase que se especializou em retratar essa elite. Descreve com maestria os complicados esforços dos indivíduos e clãs para afirmarem-se como nobres sem títulos. Trata também das relações desta camada da sociedade com o universo mais amplo dos norte-americanos que priorizam a vitória pelo esforço, determinação e trabalho mesmo quando não enriqueceram.
O enredo de “Memórias de um Casamento” é construído nesse contexto. Conta a estória de Lucy De Bourgh, um protótipo da americana tradicional e rica, e de seu casamento com Thomas Snow, filho de um dono de oficina de automóveis e de uma contadora, pessoas nada abastadas. Todavia, ele enriqueceu, através do desenvolvimento de suas capacidades, estudando em Harvard e travando batalhas ardorosas para ascender. Dotado do famigerado “senso de oportunidade”. Para o observador externo a união parece uma ousadia de Lucy, um ato de rebeldia em relação a uma paisagem moral um tanto desacreditada mas da qual não era fácil se libertar, talvez uma espécie de afirmação de autenticidade através da valorização do sentimento em sobreposição à conveniência. Surgem problemas intransponíveis. O narrador, que havia sido amigo deles separadamente em tempos passados, descreve e interpreta com sutileza o que se deu. Como bom romance que é este livro tem diversos planos de leitura que eventualmente se fundem. Begley, para além dos aspectos mais singulares dos personagens psicologicamente bem construídos, fala sobre a rigidez de conceitos nos determinantes de classe social nos Estados Unidos, a despeito dos alardeados ideais democráticos. Lucy mostra-se um ícone da arrogância, intransigência, preconceito e presunção. E não deixa de fazer transparecer um certo tipo de decadência. Na soma de tudo, um estandarte do patético. Em contraponto, Thomas é o americano ideal, a possibilidade de desenvolvimento como resultado do empenho pessoal. E parece haver muita complexidade na relação entre estas condições.
O texto, além de rico e vivo, é elegante em sua simplicidade formal, o que propicia prazer na leitura.    
Título da Obra: MEMÓRIAS DE UM CASAMENTO
Autor: LOUIS BEGLEY
Tradutor: RUBENS FIGUEIREDO
Editora: COMPANHIA DAS LETRAS

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